17.10.05

ELEITORES ELEITOS

Eleitores Eleitos


À primeira vista, a recente eleição de autarcas como Isaltino Morais ou Fátima Felgueiras, parece surpreendente. Por razões que uns sabem e outros fingem não saber; não vou alongar-me neste ponto. À segunda vista, porém, talvez este fenómeno comece a (a)parecer menos surpreendente. O que me parece é o seguinte:

1. Os eleitores votaram nestes, entre outros, autarcas, porque queriam que eles vencessem as eleições.
1.1. Note-se, queriam que eles vencessem as eleições. Isto não implica que tais eleitores gostariam de ir para a cama com eles, nem quer dizer que, nas suas vidas, reproduzam as condutas dessas pessoas, nem quer dizer que se tivessem podido teriam feito um universo repleto de seres com as mesmas características.
1.2. Note-se ainda, os eleitores que votaram nestas pessoas, votaram. Ou seja, acharam que deviam votar e foi isso que fizeram. Ao fazê-lo, mais ou menos conscientemente, aliaram-se a um esforço (o esforço que culminou numa vitória).

3. A não ser quando um traço masoquista assim o determina, as pessoas tendem a escolher para si coisas que consideram boas (a discussão seria aqui interessante e infindável, já que o nosso mau para o masoquista pode valer ouro).
3.1. Essas "coisas boas" também pode incluir coisas "menos más", mas o padrão é sempre comparativo e há uma escolha, incluindo, neste caso, o voto em branco ou a revolução.

4. Os eleitores que votaram nos candidatos "melhores" ou "menos maus" (na opinião deles), fizeram-no porque acharam que tais candidatos seriam os melhores para "a terra" ou para eles próprios.

5.Os eleitores que pensam no "bem da terra" (e que talvez em boa parte coincidam com os que só pensaram neles próprios), deveriam incluir no processo de decisão a lembrança de que "a terra" pertence a uma coisa maior chamada "país" (e este ao "mundo", num exercício que sirva para nos tirar do funil) e de que a parte precisa do conjunto como o conjunto precisa da parte.

7. Voltando ao ponto 1. acima, estes eleitores resolveram "associar-se" a determinado tipo de pessoas com determinado tipo de características, para que, em medida mais ou menos próxima, daí pudessem colher algum benefício, directo ou indirecto, imediato ou mediato, à custa do sacrifício de um conjunto mais vasto do que eles próprios ou a "terra" deles (a que alguns chamam sociedade, e pode e deve incluir- e inclui- "coisas" como a ética e a dignidade).

8. Pessoas que se comportam assim (falo agora apenas dos eleitores) são pessoas pequenas. Porque afunilam em vez de alargarem as vistas e o fazer. Não têm o exercício mínimo da liberdade que o ser humano devia trazer consigo como o mel o nariz da laboriosa abelha (ser livre dá trabalho). Imagino o que seja ser filho ou marido ou mulher ou aluno deste tipo de pessoas: O que é que pensa uma pessoa assim quando te chama amigo? O que é que imagina uma pessoa assim quando diz à sua filha que ela é muito esperta e devia tentar arranjar um lugar ao sol? O que pensamos e dizemos nós a estas pessoas sempre que lhes pagamos um café?

Tenho a certeza que a liberdade dá uma trabalheira do caneco. E é um trabalho que custa a todos, porque ninguém é livre se o for só dentro da solidão da casa ou "da terra".
Rui Costa

10 Comments:

At 5:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Este meu conhecido tem uma opinião interesante à cerca do assunto:

"A princípio eu não consegui descortinar o motivo de tal descalabro eleitoral, mas agora é-me evidente!
O que acontece é que os portuguêses já estão cansados de ser enganados! Como tal, decidiram escolher candidatos que não lhes podem trair a confiança... Porque nós temos maus políticos... Mas temos corruptos excelentes! Assim, os eleitores dos três municípios acima mencionados já sabem com o que contam: Em vez de votarem num mentiroso qualquer que promete mundos e fundos e depois passa o tempo a rouba-los, votam em quem já sabem que os vai roubar de certeza, que pelo menos é uma postura muito mais honesta!
Deve ser isto... Só tenho pena que em Sintra, onde eu voto, o Alves dos Reis não se tenha candidatado..."
P. L. Burt Costa in,
http://esfericamenteelegantes.blogspot.com/2005/10/afinal-j-percebi.html


Aurora

 
At 6:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Acho que é tudo mais simples: as pessoas votam em quem se identificam, ou em quem se vão identificando de eleição para eleição. É claro que também se identificam muito ideologicamente e, aí, os partidos têm funcionado como marcos de referência. Ora, nos dois principais partidos, isso vai sendo difícil, de tanto se terem aproximado um do outro... Quanto a Sintra, era de prever: eu também moro no concelho e fui talvez o único benfiquista que não votei no Seara. Ganhou não por ser de direita, nem por ter obra feita, nem por ser doutor, nem sedutor, nem por ter oferecido electrodomésticos, mas por ser aquele benfiquista mediático que os benfiquistas de Sintra vêem todas as semanas na televisão. Resta saber se ele não é como o papa, que não acredita em Deus, e não acredita no Benfica que lhe dá vitórias tão saborosas.

 
At 8:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

fguerra: pois, isso e que preocupante: que um ser humano que esteja vivo se identifique com escumalha.
aurora: descrenca, sim.
Rui Costa

 
At 9:25 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Rui Costa, não quis fazer um juízo de valor explícito, mas está lá no meu raciocínio. O mais grave é que a «identificação» com o chefe se vai depositando cada vez mais nos aspectos negativos desse chefe: desenrascanço doa a quem doer, chico-espertismo amoral ou imoral, incultura como valor, etc.

 
At 11:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

fguerra,eu entendi.e acho que este tipo de identificacao tem (tambem) a ver com a cultura do medo que alimenta uma sociedade de consumo: medo de ter borbulhas na cara, medo de nao ter o melhor curriculum do sec. XXI, e por ai fora.
Rui Costa

 
At 12:30 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Essa do medo agora, é que acabei de sair de uma aula de recursos humanos onde o professor dizia, queria dizer ou tentava dizer que, o medo era muito importante na relação laboral patrão vs empregado para existir maior produção.
Depois das atrocidades que ao longo de séculos foram cometidas, com o medo sempre como capa, eu perguntei-lhe se a palavra não seria forte demais.
Concordou, disse ele.
Mas que o pensamento estava lá, e a ser transmitido, estava.
nelson

 
At 12:31 da manhã, Blogger MJLF said...

A liberdade é uma trabalheira do caneco, é verdade. Eu voto sempre em homenagem às mulheres que no passado lutaram pelo direito ao voto, nunca votei em branco, não confio no que se passará com um papel em branco, ainda colocam lá uma cruz onde eu não quero. Quanto aos politicos, não me identifico com eles, por vezes quando voto faço uns desenhos giros no boletim, é uma trabalheira divertida...

 
At 1:15 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Há um pormenor a acrescentar: as autárquicas são eleições extremamente directas. Muitas vezes (meios pequenos, juntas de freguesia) os eleitores, conhecem pessoalmente os candidatos. E mesmo não conhecendo, como o financiamento das autarquias não é directo, é feito maioritariamente através do governo central, as pessoas não sentem o desperdício (roubo, peculato etc) como saindo do seu próprio bolso. Ou seja o munícipe quer lá saber se a obra foi adjudicada ao sobrinho, quer é a rua onde mora transitável. Ora isto é muito perverso porque é possível ser o maior ladrão e simultaneamente um “bom” autarca. Se ajustarmos ao caldinho uma descrença generalizada na justiça, uma acusação de corrupção contra o “santinho que alargou o cemitério lá da freguesia” é algo impossível de acreditar para a população que até o “conhece”.

Aurora.
PS: etanol concordo,eu tb nunca falto às eleições, pelo respeito que tenho aos que lutaram para que eu o possa fazer.

 
At 1:36 da tarde, Anonymous Anónimo said...

nelson: hei-de postar alguma coisa sobre essa historia do medo.
etanol e aurora: eu falei em voto em branco como falei em revolucao. o que interessa e fazer e mudar.
mas lembrem-se que os significado das coisas nao e uma estatua. votar teve um significado que entretanto se perdeu, em certo sentido- porque o mundo mudou.a luta pelo direito ao voto cumpriu e ainda cumpre o seu objectivo. mas nao e por se ter o direito de mostrar as mamas que voces andam sempre desnudas en la calle (eu nao me importava nada, mas percebem).a melhor homenagem que podemos prestar aos nossos antepassados corajosos e continuar a pensar e a lutar por um mundo melhor. Que pode incluir o voto ou nao, o que e uma decisao NOSSA.
Rui Costa

 
At 1:50 da manhã, Anonymous Anónimo said...

"mas nao e por se ter o direito de mostrar as mamas que voces andam sempre desnudas en la calle"-Oh Rui fracamente, que ideia!!!!
ESTÁ A CHOVER
:)
Aurora

 

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