3.1.06

A indignação é um luxo

Ainda a propósito de Portugal e dos portugueses, a ideia instalada de que criticar e manifestar indignação é um luxo que nem todos podem praticar. Como o país é pobre, as pessoas tendem a curvar-se ao poder. Diz-se bem de tudo e de todos, para não se estar de mal com ninguém. No entanto, parece-me que já não é bem assim e, a sê-lo, é-o mais nas gerações das quais fazem parte os indivíduos que normalmente denunciam essa realidade. Herança da ditadura? Talvez. O que me parece é que cada vez mais as pessoas tendem a manifestar-se e se não se manifestam mais é apenas por uma razão: a debilidade da justiça no nosso país. Ora, os responsáveis pelo estado da justiça no nosso país têm nomes. No entanto, ninguém os afronta. Sobretudo aqueles que estariam em condições de o fazer por, ao que parece, estarem acima do povo, ou seja, mais próximos dos arquitectos do poder. Se as pessoas não são tão críticas quanto seria desejável é por duas razões: primeiro, porque sentem de que nada lhes vale serem críticas (antes pelo contrário, se hão-de estar com incómodos para nada mais vale deixarem tudo na mesma como a lesma); segundo, porque a tal liderança democrática não existe. Os criticados sentem-se ameaçados pessoalmente, tomam qualquer tipo de crítica como uma espécie de traição ou, senão tanto, como uma espécie de ataque pessoal. Tenho vários exemplos na minha vida que poderia dar, não vos maçarei com eles. Resumirei o problema desta forma: quando criticamos algo que alguém fez não estamos necessariamente a criticar quem o fez, mas quem o fez sente-se criticado em vez de procurar compreender o que possa haver naquilo que fez susceptível de tais críticas. Desta forma, quando o poder é alvo de críticas ele tende sempre a responder negativamente: segregando, abafando, silenciando, ignorando. Finge-se que não se sabe, que não se ouviu, para não se ter o trabalho de responder. São as tais novas formas de censura de que já aqui dei conta. Um exemplo: quando alguém é confrontado com uma crítica de que foi alvo a tendência é logo inferiorizar a pessoa que fez essa crítica. A coisa põe-se deste modo: X. diz: mas olhe que Y disse isto de si. Si, que é Z, responde: mas quem é Y? Temos então que as pessoas criticam, mas não nos chega o eco das suas críticas (a parca experiência que tive nos jornais mostrou-me que há notícias que nunca chegam a ser abordadas porque os seus denunciantes são considerados uns líricos sem que se procure saber o mínimo das razões da insatisfação que manifestam, isto porque muitas vezes a insatisfação desses indivíduos recai sobre gente que não interessa aos media pôr em causa); e, por outro lado, sentem-se insatisfeitas mas não o manifestam de forma veemente porque não vêem nisso qualquer motivo de mudança. Antes pelo contrário, vêem na impunidade dos malfeitores o reforço de um poder que será sempre, enquanto não houver justiça, uma ameaça à verdade. Criticar "o povo" é fácil. Esquecem-se os intelectuais de que "o povo" não cai do céu, resulta do trabalho das elites que estão no poder e das condições criadas para que "o povo" possa ser aquilo que quer.

4 Comments:

At 6:50 da tarde, Blogger Dinamene said...

Alguém escreveu certa vez, não recordo quem, e cito dos meus canhenhos: «Não são máquinas de comunicar mitológicas ou mitográficas, despóticas ou guerreiras, subversivas ou revolucionárias; são máquinas perversas de simulação e dissimulação.»

 
At 7:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

quem, os intelectuais? :))))

 
At 8:45 da tarde, Blogger Dinamene said...

Os "que se dão ares"... nos media... que intelectual é quem usa o intelecto, ou não será? Mesmo numa versão "mais branda", não andamos aqui a cavar batatas, dedicamo-nos às "coisas do espírito", parece-me a mim...
Mas o meu comentário ia mais no sentido da nova censura que (nos) impõem ou nos (auto)impõem... e isto a propósito da justiça, da crítica e etc.

 
At 9:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

eu sou um intelectual
uso o intelecto
mais que não seja
para confessar a minha ignorância
embora às vezes
gostasse de ser mosca
será que as moscas têm intelecto?
haverá moscas intelectuais?
se há burros que o são...
ver por exemplo o querido platero
agora vou ali abaixo à cozinha
dar ares de intelectual
a mandar a mulher fazer uma omelete
eh eh eh
sabes csa, a que chamava o o'neill a isso?
importanticidade
portugal: país da importanticidade

 

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