8.10.06

IVG # 2

Não sou daqueles ateus que se indignam com veemência contra as tomadas de posição da Igreja de Roma acerca da despenalização da IVG. Julgo mesmo que, nesta matéria, os católicos têm uma palavra importante a relembrar: «Não julguem ninguém e assim Deus não vos julgará!» (Mt 7,1) Talvez impelido por este bom sentimento cristão, D. José Policarpo veio aconselhar as ovelhas indecisas a absterem-se no próximo referendo sobre a IVG. Gabo-lhe a coerência, temendo porém não poder estender os meus encómios aos demais da sua Igreja que teimam em meter as palavras do Senhor, à medida das conveniências, no abastado saco da penumbra: «Procure cada um temperar bem a sua vida e vivam todos em paz uns com os outros» (Mc, 9, 50). Sabendo-se hoje até que ponto alguns padres têm levado o seu amor pelas criancinhas deste mundo, não admira que haja quem julgue não dever a Igreja meter-se em assuntos que não sejam exclusivamente seus. Sugerem que as preocupações deveriam ser canalizadas para a resolução dos sucessivos escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica, não entendendo, porém, que não é por vivermos um problema que devemos abster-nos dos restantes. Assim, choca-me muito mais ver o Primeiro-Ministro do meu país, republicano e laico, benzer-se em cerimónias oficiais do Estado do que aguentar a incontinência verbal de padres como o famigerado Domingos Oliveira, da paróquia de Lordelo do Ouro, que afirmou há tempos ser mais grave um aborto do que assassinar uma menina aos cinco anos. Ele há gente para tudo e a Igreja, sejamos justos, não pode ser reduzida às tolices de padrecos deste calibre. Devemos antes convocar a Palavra do Senhor, quando, no Monte das Oliveiras, se dirigiu aos que queriam julgar a mulher adúltera: «Aquele de vocês que nunca pecou, atire-lhe a primeira pedra» (Jo, 8, 7). Dos pecados da Santa Madre Igreja já todos sabemos, que cada elemento do seu rebanho tome consciência dos seus é o que esperamos. A questão agora será: até onde a capacidade de perdoar dos que em Terra pretendem seguir o exemplo daquele que está lá no alto? Se eu fosse cristão, não só me absteria no próximo referendo como procuraria não ludibriar a palavra de Deus. Levado à letra isto quer dizer uma única coisa, deixar a Deus o poder de condenar aqueles que em Terra não procuram mais que ser seus filhos. Quanto àqueles que pretendem substituir Deus na Terra, só Ele saberá o que o destino lhes reserva.

6 Comments:

At 8:54 da tarde, Blogger MJLF said...

Uma coisa é a Palavra do Senhor, outra é a instituição igreja. Quem leu o envagelho de S.João, se tiver alguma sensibilidade, não fica indiferente à mensagem de amor, de perdão e altruismo que o texto tem, para além de ser um texto estraordinário em termos estéticos. Quanto à Igreja, é uma instituição e não me lembro agora quem foi que afirmou que " a maior instituição é a mediocridade" ao qual acrescento que a hipocrisia é também uma grande instituição- Henrique, se te lembrares, aviva-me a memória, ando com umas brancas do pior.
Maria João

 
At 11:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ora bem, assim de repente só me ocorre quem disse que «o bom-senso é a coisa mais bem distribuída do mundo».

P.S.: Nova remessa a caminho?

 
At 10:32 da manhã, Blogger maria said...

Henrique,

pois eu acho uma "manhosice" do sr D. Policarpo o apelo à abstenção. Mas como dizes é o Senhor que o vai julgar. Eu estou à espera de saber qual a pergunta que nos vão fazer e penso alterar o sentido do meu voto. Da outra vez votei não.

 
At 1:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

MC, talvez tenhas razão. Tu sabes mais disso que eu. Mas olha, que o teu voto não dependa de uma pergunta. O que está em causa não pode ser reduzido a uma pergunta mais ou menos feliz.
Saúde,

 
At 4:33 da tarde, Blogger maria said...

Henrique,

tens razão. A questão não se resume a uma pergunta. Expliquei-me mal. Penso fazer uns posts sobre o assunto.

Beijos para ti e para as tuas pequenas.

 
At 7:25 da tarde, Blogger MJLF said...

o mundo seria melhor se o bom-senso estivesse bem distribuido.
Maria João

 

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