5.1.07

O HOMEM BISADO

Alegra-me ser todas as coisas e as sombras que elas projectam
ser a sombra dos teus seios e da tua boca
o criado de smoking branco que te agita os cabelos
para um cocktail estimulante e fresco
a mesa onde passo a ferro o teu corpo
as espádulas as coxas a curva macia dos joelhos
alegra-me ser o contorno da tua nuca e o binário motor dos teus braços
embora mais pequeno do que um corpúsculo celeste
sou os milhões de astros microrganismos estrelas
a rota de todos os navios perdidos
a angústia síntese de todos os suicidas
a forma de todos os animais conhecidos
o desenho rigoroso de toda a flora existente

Ontem em Paris hoje em Lisboa amanhã em Júpiter
caminho para a resolução de todos os problemas
sem a certeza de resolver qualquer deles
como se fosse uma máquina de somar parcelas
quatro vezes quatro oito vezes dez oitenta
sabe-me a vida ao que É
esta progressão assustadora de crocodilos bebendo limonada
Ontem fui a prostituta a quem paguei a noite
hoje serei talvez o inocente violentador frustrado
Sutmil é a cidade par aonde me evado todas as noites à aventura
e «os anéis de Saturno são a força centrífuga-centrípeta que me
agita os braços no espasmo amoroso»
a cabeça em Marte os pés na Terra
vindo «lá do fundo do horizonte lívido»

O comboio está na gare o comboio vai partir
apressemos o passo o momento é solene
somos o automóvel que sobe a avenida
a pulsação acelerada dos maquinismos
taxímetro de uma cidade de província
satélites de um satélite lunar
Tu és o aeroporto eu o avião que parte
e muito mais calmos entre éter e fogo
percorremos os sonhos de planeta em planeta desfolhando o futuro a flor sempre rara
e marcamos nos astros o nosso roteiro DEZ QUILÓMETROS

amanhã tirarei o curso de sonhador espacializado

Pedro Oom

Pedro Oom nasceu em Santarém a 24 de Junho de 1926. Inicialmente ligado ao neo-realismo, acabou por ingressar na corrente surrealista. Foi o mentor da teoria do abjeccionismo, ao redigir, em 1949, o Manifesto Abjeccionista. Até 1974, ano da sua morte, os seus textos encontravam-se dispersos por jornais e revistas. Foram postumamente reunidos em Actuação Escrita (1980). A obra ficcional de Pedro Oom resume-se a um conjunto de pequenos textos englobados em Histórias para Crianças (Emancipadas), que não são mais que pequenos relatos com um tom humorístico e irónico. »

4 Comments:

At 7:52 da tarde, Blogger Erótika said...

VIVA LA POESÍA. UN BESO TE ESPERO...:)

 
At 7:52 da tarde, Blogger Erótika said...

www.degustacionpoetica.blogspot.com

 
At 9:08 da tarde, Blogger MJLF said...

é pá, nasceu no São João como eu!
Maria João

 
At 11:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Viva!

 

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