21.3.07

Poesia

Aproveito o dia para fazer um balanço honesto, sincero mas sempre liminar. Este tipo de balanços é um risco que apenas corro por não lhes atribuir grande importância. De certa forma, ajudam-me a ir organizando as ideias num espaço que considero íntimo mas partilhável. Ora, como já um dia escrevi e publiquei, não sei ao certo o tempo dos primeiros versos, de onde e como surgiu a singular fala dos poemas. Sei, porém, que o primeiro livro de versos que li foi Este livro que vos deixo, de António Aleixo. Julgarão alguns ter sido um começo pouco auspicioso, crendo eu ter sido o melhor de todos, dentro do possível, até porque ao mesmo tempo ia-me entretendo com a tradução das canções dos The Doors. Este contrataste foi essencial e tem-me acompanhado para onde quer que vá. Não disse António Variações que a sua música era qualquer coisa que se situava entre Braga e Nova Iorque? Pois bem, eu cá situo-me entre António Aleixo e James Douglas Morrison. Não me exijam mais que isso. Mas há qualquer coisa, antes de tudo isto, que me marcou profundamente. Palavras Ditas, o programa de Mário Viegas na RTP, trouxe-me o som das palavras como nunca antes me tinha chegado, o ritmo, as melodias, aquela cadência que só os versos conseguem e nos aprisiona, contagia e cativa. Ter ouvido Mário Henrique Leiria, Ruy Belo, Mário Cesariny, Alexandre O’Neill, etc., etc., etc., através da voz do “grande escalabitano” foi a mais importante experiência da minha alegre infância. Mário Viegas foi, assim como assim, o meu pai poético, aquele que me fez chegar os e aos versos, quem me abriu a porta para esse mundo de palavras onde tudo é possível e nada é provável. O resto são meros pormenores que posso resumir assim: o que mais amo na poesia - o testemunho, a liberdade, o riso, a lascívia, a audácia, a magia…; o que mais odeio na poesia - o hermetismo, o sentimentalismo, o snobismo, o pedantismo, em suma, os ismos… Quero, portanto, agradecer aos poetas que testemunham com audácia o seu tempo, que riem e são lascivos, a possibilidade de um mundo mágico, infantil, tão cruel quanto ousam ser as crianças, um mundo onde se respira melhor, onde se pode respirar. São esses os meus poetas, os que releio. Os outros, por mero descargo de consciência, apenas leio. Mas esses, hoje, não serão para aqui chamados.

2 Comments:

At 9:21 da manhã, Blogger Luis Eme said...

Graças a ti recordei o grande actor e poeta da vida, Mário Viegas, que nos ensinou tanto sobre a beleza da poesia, nas suas "Palavras Ditas".

Muito Agradecido.

 
At 2:05 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Há muito que não lia um blog tão interesante e cativante de se ler. Hoje gosto de fazer os meus versos, "culpa" do meu pai que me fez apaixonar por Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Alexandre O'Neill, entre outros. No meu aniversário, e após o tão solicitado discurso, pediram-me que ditasse um poema. Não sei ditar mas a medo lá debitei "O menino da sua mãe" de Pessoa. Mesmo assim e com muitas falhas pelo meio (sou gaga) ainda fiz muitas pessoas chorar. A verdade é que o disse com sentimento, não por me identificar com o poema, mas por me lembrar dos tempos em que o meu pai me passou a única coisa diga de ser lembrada e apreciada: o gosto pela poesia.

 

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