9.5.07

MUCHA


Este poster, da autoria de Alphonse Mucha (1860-1939), foi utilizado numa angariação de fundos em prol das escolas checas, à época ameaçadas por um processo de germanização que punha em causa a sobrevivência da própria língua checa. Encontrei-o numa página que explica o seu sentido. Cechia, a mãe simbólica da nação checa, está sentada numa árvore morta, com o braço pousado numa estátua do deus pagão Svantovit, protector dos eslavos antigos. A jovem estudante, segurando lápis e cadernos, confronta os espectadores com um olhar bastante assertivo. Trata-se de um trabalho de 1912, por isso anterior à independência do Estado da Checoslováquia, que aconteceu em 1918, para o qual Mucha desenhou selos e notas de banco. Em 1939, quando os alemães invadiram o seu país, não admira que o artista checoslovaco tenha rapidamente sido detido pela Gestapo, tendo vindo a morrer nesse mesmo ano com a saúde muito debilitada. Mucha foi um artista notável, autor de uma obra que sem se autoliquidar esteve sempre ao serviço da comunicação ou, para ser mais preciso, no que pode haver de comunicativo na decoração. Isso não é nada fácil. A arte, toda ela, teve sempre uma função decorativa que é frequentemente relegada para um plano secundário, esquecida ou omitida, quando não preconceituosamente menosprezada. A intelectualização da produção artística tende a omitir este facto, sobrevalorizando outros mais de acordo com o estatuto ambicionado para as chamadas coisas mentais. A verdade é que assim como decorar não esgota a possibilidade da reflexão e do testemunho – sublinhe-se o exemplo aqui trazido -, também as coisas mentais pouco cativarão sem adornos que as embelezem. É por isso que não há boa filosofia sem bom sentido do humor, valendo proporcionalmente a inversa, ou seja, não há bom sentido de humor sem boa filosofia. Em ambos os casos uma pode adornar a outra, tornando-se, desse modo, a comunicação muito mais atraente e persuasiva. Passa-se o mesmo na relação que a poesia estabelece com a ironia, ou com a metáfora, ou com outro elemento qualquer que lhe possa ser decorativo. Isso nota-se muito bem quando qualquer uma destas artes passa à oralidade. A gente ouve uma palestra e interessa-se mais ou menos pelo orador muito em função da sua capacidade de adornar o discurso, por vezes recorrendo inclusive a meios extra-orais como sejam vídeos, imagens, apresentações em PowerPoint, etc. Nas artes esse equilíbrio parece ser muito mais difícil de conseguir, pois não são raros os casos em que à força de pretender ser persuasiva a arte se torna meramente ornamental. E quando se torna meramente ornamental ela torna-se exactamente o contrário deste trabalho de Mucha: torna-se oca.

3 Comments:

At 11:55 da tarde, Blogger MJLF said...

De acordo com as tuas palavras, o ornamental não tem de ser sinónimo de superficial; existe ainda um termo que se utiliza muito como sinonimo de superficial ou oco que é o formal, e nem tudo o que está no polo da forma, do corpo,´é apenas ornamento; e toda esta confusão foi gerada pela arte conceptual - que por vezes é apenas aborrecida. Eu acho que a boa arte é toda formal e conceptual, espiritual e corporal, pode incidir em mais um dos polos, mas não existe boa arte sem boa forma e bom conteudo, sem boas ideias e um corpo que as aguente.
Maria João

 
At 8:03 da manhã, Blogger Filipe Guerra said...

Hoje em dia, estas palavras são quase subversivas, por duas razões: politicamente é incorrecto defender qualquer nacionalismo ou particularismo que afecte o império; e, depois, defender uma arte útil vai afectar o estado de vazio em que o império quer que as artes se mantenham. Este «império» foi a melhor palavra que encontrei para definir esta merda.

 
At 2:44 da tarde, Blogger MJLF said...

Ó fag, tens toda a razão, império ou ideologia dominante - este ultimo termo foi utilizado pelos bons filosofos da escola de Frankfurt.
Maria João

 

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