4.9.07

SALVAR O MUNDO

A ideia de salvar o mundo nunca me atraiu. Primeiro, porque não julgo que o mundo precise de ser salvo. Muito menos por um elemento da espécie que tudo tem feito para que ele venha a precisar, de facto, de ser salvo. Depois porque sou daqueles que, tendo lido Wittgenstein, não consegue distinguir o mundo de quem o pensa: «Que o mundo é o meu mundo revela-se no facto de os limites da linguagem (da linguagem que apenas eu compreendo) significarem os limites do meu mundo». Logo, conclui Wittgenstein, «O mundo e a vida são um»; «Eu sou o meu mundo. (O microcosmos)». O problema é que no meu mundo há injustiças, há fome, há crimes, há situações profundamente dolorosas e chocantes com as quais é difícil viver. Quando um homem é torturado, o seu mundo adquire uma linguagem dificilmente aceitável. A linguagem do carrasco não é aceitável senão no mundo do carrasco, lá muito metido no seu mundo de carrascos, que é um mundo apenas concretizável através da violação dos mundos dos outros. Dizia eu que a ideia de salvar o mundo não me atrai, mas atrai-me a ideia de uma auto-salvação, uma auto-salvação que não parte do princípio de que a vida seja uma perdição, uma queda, mas antes do princípio que viver é resistir. Resistir a quê? O que pretendo dizer com isto, suponho, é que não precisando o mundo de ser salvo, ou precisando mas não sendo isso possível, precisa o homem de se salvar a si próprio de um dia o mundo vir a precisar, de facto, de ser salvo. E quando o mundo precisar, de facto, de ser salvo, ele deixará de ser apenas «o meu mundo» para passar a ser o «nosso mundo», o mundo de sujeitos que se transformarão em mundos ilimitados. Detestaria que chegássemos a esse ponto, pelo que sugiro, se é que me cabe sugerir alguma coisa, que comecemos por resistir a esse mundo sem mundos, sem sujeitos, sem fronteiras, sem excluídos, que é o mundo de autómatos, de protótipos, de sujeitinhos tão acríticos quanto ditatoriais que a toda a hora nos ameaça. Prefiro um mundo de excluídos, ou seja, de inadaptados, de marginais, no sentido de inconformistas, um mundo de mundos, de poetas e de poemas, a um mundo apenas e só mundo, ao mundo ideal de Platão. Esse mundo, que ora se confirma, esse mundo que há muito vem expulsando os poetas, não é o meu mundo. O meu mundo é um mundo que tenta resistir permanentemente a esse mundo.

2 Comments:

At 12:02 da tarde, Blogger Joana Serrado said...

Crítica à Faculdade de Salvar.


Henrique. Eu saúdo-te. Eu desejo-te saúde. Eu salvo-te. Eu estou saudosa do tempo em que já deixaremos de estar juntos, saudaveis e salvos.

Salvar significa fazer o impossivel para o futuro. So a poesia contém a faculdade de salvar. Um poema é a salvacão. Salva do imperfeito, do ruído (a poesia é canto!), salva (apanha, recolhe, fortalece) o húmus. O poema salva o teu futuro, o teu mundo, os teus filhos. O poema é, em última instância, apenas tu.

Mas quando pretende salvar, põe-se de encontro a outrém. Esbarra, é certo, mas não pode ser marginalizado – é a outra margem, a outra possibilidade, o outro mundo (a tua quase carne, o teu filho.).
O poema torna-se no nós. Como quando te arrepias com a beleza ou crueza de algo que escapa à tua conceptualizacão. Torres a arderem, uma gaivota ferida, um plástico na praia. O teu poema repõe a beleza desse ruido em acordes novos e quando salva, redime, transforma.

Tanja Nijmeier é uma jovem holandesa, que andou por aqui onde eu ando, e juntou-se às FARC. Há pouco tempo, um diário dela foi descoberto e publicado num jornal. Ela desabafa a vida dura que leva, mostra as contradicoes entre o utopia e a guerrilha, e pensa em voltar. A vida dela corre perigo – dos dois lados. Voltando para um mundo que não é o dela ou ficando num mundo que ela não está a conseguir construir. Provavelmente já não terá escolha – mas temos nós escolha?

O poema é que nos vem salvar porque nos redime. Não aliena, mas serve de motus, é a infantaria da revolucão. Um poema que refizesse continuamente um mundo. Um mundo que pudesse abrigar-me e ser abrigado pelo teu poema. Um acto de uniao total desafiando todo o tempo. Um cadáver vivo, amando.
Um poema que dissesse morro, mas salvo-te.

 
At 6:41 da tarde, Blogger José said...

isso quer dizer que o MUNDO nao existe?

 

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