14.5.06

Tadinhos

De Carrilho e de louco, todos temos um pouco. Refiro-me à reacção, à necessidade de reagir. Quem não se sente, não é filho de boa gente. Não é assim? Depois, a gente reage. Seja por vaidade, seja porque estamos convencidos das nossas razões, seja por aquilo que for. Sobre o tema em si: não li o livro, não vou ler o livro, tenho mais que fazer. Aquando das autárquicas disse que apesar de não simpatizar com a figura de Carrilho, se vivesse em Lisboa votaria nele. O que se passou, e agora é motivo de polémica, foi de facto vergonhoso. Mas o que me irrita mais é esta vontade indómita de dizer mal de Carrilho, como se naquele indivíduo estivessem as razões de todos os (nossos) males. Carrilho é na política uma espécie (só uma espécie) do que Mourinho foi na bola. A malta detesta-lhes a vaidade, a arrogância, a petulância, etc… Mas nada disto tem que ver com competência. O problema é que a política faz-se mais desses aspectos laterais, do belo cumprimento reverente, do estar de bem com a canalha jornalística, do passar boa imagem. Ainda mais num país que odeia, detesta, repele-se com gente que pensa pela sua própria cabeça, gente ambiciosa, vaidosa das suas qualidades, gente com ego. Em Portugal essa gente é sempre vista de lado, com desconfiança e, perdoem-me a petulância, com alguma da mais mesquinha inveja. Mil e uma razões podem servir para explicar o fenómeno: a vitória de um Cavaco carrancudo a fazer-se de vítima, refugiado no silêncio; a um nível mais raso, os Zés Marias deste mundo, coitadinhos, sempre a lucrarem com a bela da tadinhice. É esta maneira tacanha de ver as coisas que me irrita. Mas irrita-me ainda mais o que verdadeiramente devia irritar a todos: a forma como através do ruído, da piadola barata, da tirada de génio, da tagarelice, da opinião por opinião, a forma como, dizia eu, se vai mais uma vez deixar de discutir o essencial: o poder dos media, as relações promíscuas entre os media e a política e as agências de comunicação e outras que tais. Citando Rui Costa Pinto: «As referências de Manuel Maria Carrilho às agências de comunicação são oportunas e merecem um debate, quiçà uma investigação». Só isto importa. Mais nada. Também eu trabalhei em jornais, felizmente durante muito pouco tempo, e sei que há jornalismo político em Portugal que é uma autêntica fachada. Pelos vistos não é só em Portugal, basta tomar em linha de conta o número de Stephen Colbert no jantar anual do corpo de imprensa da Casa Branca. Sinal dos tempos? É. Isto não é só de Portugal, mas também é de Portugal. O que importa discutir são estas coisas: «Saraiva acha que os jornalistas, ou os que entrevistaram M.M.Carrilho, são atrasados mentais. O antigo director do DN exultou com a coragem na denúncia do "arrastão". E Rangel retratou os jornalistas como uma "canalha" sem escrúpulos. Ora os três foram, até há pouco, pilares incontornáveis da opinião pública. Não apenas tiveram acesso ilimitado aos rádios, televisões e jornais, como contrataram e despediram jornalistas, chefiaram redacções, com tudo o que isso implica. As suas acusações deviam ser menos genéricas, mais factuais. Os restos mortais da Alta Autoridade deviam ouvir esta trindade indignada». Não importa "discutir", como ainda ontem (ou)vi, a “vaidade patológica” de Carrilho. Porque a “vaidade patológica” de Carrilho só pode interessar a quem interesse que tudo continue na mesma... como a lesma. Já que essa, impossível de mudar, jamais mudará o que quer que seja. Depois é ver as Claras Alves, vaidosas, com a mão debaixo do queixo a remeterem-se ao silêncio como se fossem deveras relevantes, os Júdices, vaidosos, inclinados sob o tampo da mesa a gaguejar piadas que ninguém entende, os Oliveiras, vaidosos, recostados na cadeira, com sorriso de orelha a orelha, a repetirem as mijadelas que publicam semanalmente no Expresso, ou aquele ganda maluco do Inimigo Público (como é que ele se chama?) a esbracejar piadas fabulosas que apenas a ele fazem rir. Sobre o que interessa de facto discutir, nada. Por exemplo: por que uma tal Isabel Braga, em nota jornalística sobre o lançamento do livro de Carrilho, termina o texto com um parágrafo rasteiramente irónico, completamente opinativo, que de jornalístico tem só a vontade de ser felicitada na redacção? Diz assim: «Até ao momento, não há notícia de que mais nenhum jornalista tencione processar o autor de um dos mais ferozes ataques à comunicação social de que há memória em Portugal». Tadinhos.
Adenda: Acrescentado às 14:04.

2 Comments:

At 3:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Henrique: Texto lúcido, esclarecido.

Também estou cheio de pena dos jornalistas, "tadinhos", sobretudo daqueles que prestaram serviço a Cavaco, ajudando-o a cumprir os seus pessoalíssimos objectivos de glória.

E já agora, como se sentirão aqueles que ajudaram Carmona? Como se sentirão, ao observar o seu contributo para terceiramundarização de Lisboa? Porquê o silêncio que paira sobre a degradação da capital?

 
At 9:40 da tarde, Blogger manuel a. domingos said...

ando um pouco a leste de toda a polémica. só reparei que ela existia quando cheguei ao Carrefour e vi o livro à venda e uma série de pessoas à volta dele a dizer coisas do género: devia era ter vergonha; tem é mau perder; devia era estar calado; etc. senti-me tentado a comprá-lo, mas depois vi um do jorge luís borges (sim, jorge luís borges no Carrefour)

 

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