29.2.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #18

AEROPORTO DE PAPELÃO



O nosso desejo é tão claro como as palavras
«Nus, os homens mortos irão confundir-se
Com o homem no vento e na lua do poente».

Não nos tirem o aeroporto do centro da cidade.
O que vamos fazer com o vazio das tardes
de Domingo? Queremos continuar a ver os aviões
de nariz enfiado nas redes, ansiosos por assistir
a um choque aéreo com explosão de artificio
ali mesmo nas nossas barbas. O Anselmo sonha
com um avião a aterrar tarde demais,
espalhando-se ao cumprido sobre os olivais
ou a charneca, abreviando
os dias podres a uma porrada de gente.
As sobras feridas enfiando as caveiras
nas lentes das câmaras de filmar darão brilho
à degradação, entrando pelas antenas adentro,
caem num sofá de morte lenta.

Já não dá adrenalina, assistir ao tráfego
dos anjos nos céus da cidade, transportando
nas asas, corpos vindos dos hospitais da morte
à solta, ou das ambulâncias gastas e enferrujadas
de brincadeiras em becos sem saída.

Queremos assistir ao choque dum jato
com um alfaneque fugindo para terras do sul.
Ao aterrarem a pique no cais de embarque,
cheio de passageiros, com bilhete para
umas férias em África, as chamas
talvez lembrem outras perdas,
como o massacre no Quénia, enquanto
a norte se brinca com os gps. As notas

musicais, marginais, vindas dos subúrbios,
seguem na viagem banal e repetitiva do bobo
corcunda actuando para o rei e sua corte. Fogo
negro vem do camião cisterna que explodiu,
atingindo as bagagens dos passageiros, cheias
de armas brancas, balas, charutos Fidel, coca
nas escovas de dentes, fotocópias de economia
e algumas cartas de acidentes romanceiros.
E nós assistindo às cinzas negras levitando
entre gritos e o voo duma pardela.

Queremos as corridas no espaço aéreo
com apostas para ver quem fura os horários
estabelecidos e aterra primeiro no verso
«O receio da morte é a fonte da arte» e depois,
olhar os candeeiros e as mentes fundidas,
esperando o chek-in para a descolagem
do último voo, alimentador das correntes
do negócio do lixo legal que vão rendendo
mansões, novos escravos. Até das entranhas
do corpo humano para experiências clinicas,
lucram uma cartada de acções na bolsa.

Aos pés duma vida de viagens adiadas
ardem ostraceiros e grifos por toda a pista
e para sempre. Por detrás duma doença
terminal explode um carro de bébé com bilhete
para o caos que já atravessou a porta.

Vá lá. Cedemos às soluções com + 1
qualquer lugar, desde que não tirem daqui
o nosso futuro circo de catástrofes urbanas.
Que chatas que seriam as tardes de domingo.

Quando se estuda os voos das aves
em chamas, podemos sentir com precisão
a dor que paira no fumo das labaredas,
provocadas pelo desequilíbrio mental
dos homens que acordam
com uma pena entre os lábios
escorrendo sangue sem alegria alguma.


Jorge Aguiar Oliveira