23.9.05

À LUZ DE DUAS LEITORAS DO INSÓNIA

A lâmpada que sujou tudo

Do exercício de olhar e ver, seccionar o que se pretende, como quem espreita o mundo por uma objectiva registando apenas parte da realidade, depende a minha limitada visão. É da luz que uso, de que disponho, que depende a eliminação de parte da realidade.
E vejo o que quero ver...e ignoro o que no momento quero ignorar, escolhendo assim o terreno onde habito.
Certo é que essa luz raramente é ondulatória e tem fotões. Também é por mim assumido que nem sempre consigo controlar a disposição e consequentemente a luz que escolho para um dia, e tantas vezes me arrasto para fora da cama de manhã com os olhos poluídos e os pés torturados de mil sapatos. Outros dias há em que tudo é novo, só o belo me acompanha.
Facto é que aquela lâmpada fundida na casa de banho me proporcionou um banho tacteado à luz da vela.
Erro meu, no dia seguinte colocar uma lâmpada cem vezes mais potente do que aquela pequena chama. Repentinamente, os azulejos ainda ontem impecavelmente alvos, tomaram um tom pastel.
Substituí outros talentos por um pano e detergente, pensando que esse fenómeno da causa e do efeito não é de todo científico, e que provavelmente uma lâmpada de mil velas teria provocado um tecto igualmente amarelado... que tais preocupações de brancura seriam diferentes para gerações iluminadas à luz do gasómetro.
A penumbra liberta os sentidos oprimidos pela exuberância da visão. Qualquer maçã tem um cheiro mais intenso no escuro e é na escuridão que muita realidade se reordena e claramente se revela. Certa que o bruxulear da chama de ontem me mostrou o arco íris pousado nas bolas de sabão, incomparavelmente mais nítido que o dia hoje, iluminado a sol aberto e não menos cogitação.

Aurora Silva / Teresa Tudela