dos últimos trinta anos
Relativamente aos resultados da consulta de opinião, levada a cabo por A Natureza do Mal, sobre os 5 melhores romances portugueses dos últimos trinta anos, há algumas considerações a fazer. Primeiro, um esclarecimento quanto às minhas escolhas. Não sou leitor assíduo de ficção, sobretudo de ficção portuguesa. As minhas escolhas são, por isso mesmo, irrelevantes. Só para terem um exemplo, nunca li António Lobo Antunes e quanto a Agustina fiquei-me por O Manto. Limitei-me, na base da minha incultura narrativa, a escolher um livro por década, mais uma eventual extravagância (no caso, o Coca-Cola Killer do maestro António Victorino de Almeida). Ainda assim, surpreende-me ter sido o único a mencionar Finisterra de Carlos de Oliveira (José Mário Silva já não foi a tempo, para a contabilidade final, de remediar o sucedido). Surpreende-me mais por se tratar de um livro geralmente referenciado como um marco na ficção portuguesa. Também notei as escassas menções a Agustina Bessa-Luís, tida na generalidade como uma das maiores romancistas portuguesas de sempre. Outras ausências (ou quase) de peso, para mim, são as de alguns bestsellers. Provavelmente, a blogolândia lusa ou não lê bestsellers ou, a lê-los, não os toma a sério. À cabeça: O Amor é Fodido, de Miguel Esteves Cardoso (tanta tinta corrida sobre esse título para, afinal, cair na penumbra). Será que temos aqui um outro Palavras Cínicas? Neste sentido, também notei as escassas referências ao mais polémico romance de Saramago (o nosso único Nobel da Literatura, para o bem e para o mal): O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Outro livro tão palrado, para, ao que parece, tão poucas afinidades. Dos cinco mais votados, poderia ter mencionado o Memorial do Convento, Sinais de Fogo e O Que Diz Molero (embora este, só com muito boa vontade no domínio do romance). Os restantes não li, mas fiquei sensibilizado com as referências a uma obra de Maria Velho da Costa, tomada por certa "inteligência" como um subproduto da ficção nacional. De Maria Gabriela Llansol também pouco se mostrou. Compreende-se. Eu próprio, que li quase toda a sua obra, tenho dificuldade em escolher-lhe um livro e tomá-lo por romance (a escolher um, teria que ser Um beijo dado mais tarde). Por fim, quero ainda referir duas coisas: não sei se, como já escreveu Eduardo Pitta, uma consulta destas na imprensa escrita obteria resultados similares. Estou em crer que não seria bem assim, mas não me apetece agora explicar por quê. Seja como for, se assim fosse, seria muito injusta a omissão, entre outros, de Augusto Abelaira. Digo eu.
2 Comments:
As suas considerações têm razão de ser. Nem toda a gente assume, como V., que «não lê» ficção portuguesa. As pessoas falam de ouvido. O top-Antunes traduz isso mesmo. Convencionou-se que é um autor «clássico», e as pessoas citam, como citam Bach, que lhes «parece» mais inteligente que Verdi. Por isso é que as pessoas omitem os «grandes sucessos»: para parecer inteligentes. São mecanismos de auto-reconhecimento. Veja o caso da Agustina: como dela ninguém anda a dizer que pode ganhar o Nobel (a senhora nem em inglês está traduzida, quanto mais em sueco), as pessoas, neste tipo de inquérito, tendem a esquecer o seu nome, que é afinal o de uma autora conotada com a Direita. Sim, o esquecimento do Abelaira (como aliás o da Fernanda Botelho) é gritante. E o do Namora, o nosso autor mais traduzido de sempre, também revela o pouco sentido de tradição que os portugueses têm. «Finisterra» não é um romance, levou esse rótulo para vender melhor (a grandeza do Carlos de Oliveira devia dispensar esses truques). Mesmo o Sena, com o portentoso romance que escreveu, estou convencido que só por indução não foi esquecido. Alguém se lembra dos contos dele? Obras-primas absolutas. Portanto, quando digo que uma consulta na imprensa levaria a resultado idêntico, estou a levar em linha de conta o mimetismo colectivo que leva muita gente a dizer que o Lobo Antunes é o maior. [Conheço, digamos, uma dúzia de escritores, dos canónicos, que não conseguem ler os livros dele; tentam, e desistem; serão as pessoas comuns mais sensíveis à prosa do senhor?] Pose, na maioria dos casos. Mesmo assim, acho muito curiosas as ausências do Urbano, do Miguéis, do Alexandre Pinheiro Torres, da Graça Pina de Morais, da Maria Ondina Braga, do Rui Nunes, do João Aguiar (com livros que vão na 24ª edição), do Mário Cláudio, da Mafalda Ivo Cruz, etc. Eu não os escolheria, mas registo o «desinteresse» geral.
Acho que estou de acordo com tudo o que acrescenta. De Fernando Namora li apenas Domingo à Tarde (1961), mas ter-me esquecido de Urbano Tavares Rodrigues e José Rodrigues Miguéis (este dificilmente caberia na malha dos últimos 30 anos) é imperdoável. E entretanto lembrei-me de Trabalhos e Paixões de Benito Prada (1993), um romance que talvez merecesse mais atenção. Quanto a Finisterra não ser romance, julgo que estamos de acordo. No meu caso, por razões semelhantes às que evoquei a respeito de Llansol. Mas enfim… se tanta boa gente lhe chama romance, quem sou eu para dizer o contrário? Agora, muito brevemente, porque não creio ser provável que num jornal, num estudo com outra dimensão, os resultados fossem parecidos: 1.º porque os leitores de weblogs não me parecem amostra fidedigna dos leitores portugueses (a este respeito, só uma curiosidade: como se explica tanto weblog com poesia, tanto weblog mais ou menos dedicado à poesia, e vendas de livros de poesia miseráveis a rondar em média (digo eu) os 300 exemplares?); 2.º as respostas a um inquérito do género deste que nos prende, tendem a ser mais afectivas do que racionais (muito provavelmente, num inquérito de outro tipo as pessoas ponderariam melhor as respostas, teriam em conta não só o haverem apreciado o romance como também a suposta importância do mesmo no decorrer da nossa história literária mais actual). Estas serão apenas duas das razões da minha desconfiança. Mas há outras que não me apetece muito explorar. Saúde,
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