18.1.07

Prémios literários

Prémios Literários

Não se deve responder com leviandade a uma pergunta do género: «Qual o teu escritor preferido?» Quem gosta de ler tem muitos escritores preferidos. De entre essas preferências há os que são mais ou menos preferidos, os que são preferidos por razões que a própria razão desconhece, os que são preferidos porque não podem deixar de o ser – questões de ética literária! – e os que são preferidos porque sim. No meu leque de escritores preferidos há um que sempre o foi porque sim, porque não podia deixar de o ser, ou seja, por necessidade, e por razões que a própria razão desconhece. Trata-se, portanto, de uma preferência mais preferível que muitas outras. Refiro-me a Alexandre O’Neill. Com O’Neill sempre senti uma série de afinidades, não sendo as mesmas fundamentais para uma salutar relação autor-leitor. Lembro-me dele a propósito do tema dos prémios literários. Em Uma Coisa em Forma de Assim (Presença), O’Neill tem duas crónicas sobre prémios literários. Uma delas, Como Não Ganhar Prémios Literários, consiste numa resposta a um desafio proposto por um leitor que resulta num exímio exercício de ironia. Há várias formas de não se ganhar um prémio literário: «não se ser escritor», «deixar de o ser», «ganhar mas recusar», «não se concorrer». No entanto, nem mesmo assim um escritor ficará livre de ganhar um prémio literário, pois há deles que basta que se publique para serem atribuídos. O’Neill tem uma solução: «como a maioria dos prémios (…) parece obedecer à preocupação de respeitar uma certa mediania de gosto do público, (…) o melhor será que o escritor-que-não-deseja-ser-contemplado-com-prémios se avantaje de tal modo aos seus colegas que passe a ser um caso absolutamente à parte na ficção (ou na poesia) portuguesa, o que, com certeza, não se afigura difícil para os numerosos talentos e génios que andam por aí errabundos». Ficamos assim a saber, pela doce pena o'neilliana, o que pode um escritor fazer para não ser atingido por essa praga de prémios literários que pululam no país. O problema surge quando os escritores que não querem ganhar prémios literários, afirmando-se até, em casos mais afoitos, contra, tocam de contestar o estado geral dos prémios. Devo esclarecer que quanto ao tema tenho uma opinião muito clara: cago nos prémios literários, ainda que me puxe sempre à lágrima a fotografia do escritor premiado. Se me quisessem atribuir um prémio não o recusaria, mas jamais concorrerei a um. Não o recusaria por uma simples razão: a fotografia, essa imagem de levar às lágrimas pais, mães, filhos e amigos, mulheres e homens de bom coração, sempre tão prontos para se deixarem comover com o sucesso daqueles que amam. Ainda que procure seguir à risca os conselhos de O’Neill - «a literatura é uma actividade que preenche os intervalos entre prémios» - comovo-me com a fotografia do escritor premiado, a fotografia no jornal, normalmente de mão no queixo ou com o indicador a apontar a sobrancelha ou junto a estantes com livros ou à frente de belas paisagens ou rodeado de bons amigos. «A Academia Sueca engana-se muito? A Associação Portuguesa de Escritores também? O Pen Club igualmente? O Ministério da Cultura espanhol aspas aspas? Deixem lá, não fervam de indignação nem de entusiasmo. Antes de se entregarem aos desencontros das paixões, pensem que há uns quantos sujeitos que ficam imensamente contentes por receberem umas centenas ou uns milhares de contos e entrarem na imortalidade com um diploma na mão. E sabem como a imortalidade se revela sensível a esses documentos.» - sugere O'Neill na segunda crónica. Permito-me apenas acrescentar: a mortalidade também.

1 Comments:

At 11:48 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Parece que o Agostinho tinha um episódio do género, mas com direitos autorais. Boa crónica, como grande parte das que a antecedem. Pena que estas não saiam nos jornais. Felicidadespara a OVNI.

 

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