OS CALACEIROS
Contam-se pelas unhas os comentadores políticos da nossa praça que não carecem de imparcialidade, desculpando-se o defeito, geralmente, com a afirmação da impossibilidade da virtude. Isto é, aconchegados no conforto desse terrível lugar-comum - «um olhar imparcial é impossível» - os comentadores, ditos fazedores de opinião, furtam-se àquilo que deveriam servir: um esforço de verdade. É assim no mundo moderno, à força de quererem servir os amos acabam por não servir para nada. No caso dos fazedores de opinião essa realidade é ainda mais gritante, pois o que aqui está em causa não é a dificuldade do olhar imparcial. É, isso sim, uma incorrigível preguiça. Tão preguiçosos que são, preferem encostar-se à perspectiva a arriscarem a justeza de um olhar o mais neutro possível. É por isso que me rio sempre quando ouço os serviçais do regime, seja ela qual for, falarem de verdade e exactidão, normalmente levantando os braços à altura das orelhas para apregoarem: «vamos lá pôr as coisas como elas são», ou, em versão mais enfática, o célebre «a verdade é que» ou «esta é que é a realidade». Tentam representar o papel do recto quando não passam de calaceiros.
7 Comments:
Já em quem é demasiado cobarde para se comprometer a imparcialidade é apenas um subterfúgio, sem nada de virtuoso. Mas no contexto mencionado, em que o sentido de imparcialidade e honestidade intelectual coincidem, sim, é uma falta assinalável.
e também existem os outros, aqueles que só dizem mal, porque também é mais fácil
nelson
Leitor atento, o contexto é este e não outro. Mas sempre acrescento que prefiro os comprometidos aos falsos independentes. Pelo menos, com os primeiros, sei o que a casa gasta. Mesmo que os considere mais funcionários da perspectiva do que fazedores de opinião.
Nelson, tem toda a razão. Veja-se, por exemplo, o Vasco Pulido Valente e seus fieis discípulos, quase sempre decalques miseráveis do primeiro. Mas no meu texto não me interessa o que se diz, o tom do que se diz, interessa-me muito mais aquilo a que, para já, chamarei um defeito de inscrição de quem diz.
O texto deu-me a entender que estavas a tomar a imparcialidade como uma virtude num sentido absoluto, por isso fiz a observação. Se foi supérflua, então foi só isso.
Não. Aliás, até já escrevi sobre isso uma vez. Vou ver se encontro o post.
Mas a culpa não será do público, que insiste mais na exigência de ver representadas "vozes de todos os quadrantes", em vez de vozes independentes?
DL, eu não vejo as coisas na perspectiva da culpa. Antes de decretar culpados, interessa-me denunciar os “crimes”.
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