Fragmento # 50 – Da Drástica
Há muito que tenho vontade de escrever sobre a banda gástrica que me colocaram no estômago no dia 27 de Março de 2006 – que um amigo querido apelidou de drástica e eu refiro-me a ela desse modo desde que se tornou parte de mim. Ontem, por azar ou não, liguei a TV e assisti a parte do debate sobre a obesidade e é claro, estavam lá alguns médicos por onde passei e também o meu actual médico, o Dr. António Sérgio que é demasiado delicado e educado para aquela feira de gente aos berros, a jornalista então só cacarejava continuamente; na realidade, a sua abordagem delicada e pedagógica quando o consultei foi o que me levou a confiar nele para me operar, pois tornei-me muito desconfiada em relação a médicos em todo o meu percurso e quando pensei em colocar a drástica, não fui apenas ao Dr. António Sérgio. Vejo o Dr. Galvão Telles a dar pancada, ele é muito bruto, mas tinha razão no que estava a falar, também passei por ele e não resultou na altura, lembro-me que o achei gordo quando o consultei, relatei-lhe o meu percurso e disse-lhe que não queria tomar mais drogas; ele receitou-me apenas fibras mais dieta e da segunda vez que o consultei tivemos uma conversa que eu nunca mais lhes apareci à frente, mas já vos conto o que foi, vou relatar um pouco o meu percurso sobre estas coisas. Fui uma criança normal nestas questões de pesos e comecei a oscilar na adolescência. Quando tinha 11 anos e 76kg, levaram-me a uma besta de nome Mário Martins Castro que me receitou dieta, Dinitel, Letter e Diazepam, drogas pesadas para uma miudinha. Ele tratou-me sempre como se fosse uma anormal, ou era já assim que me sentia na altura, ele era bem mais gordo do que eu, como quase todos os médicos onde fui e emagreci temporariamente; passados alguns anos votei lá com mais dez quilos, emagreci, depois voltei lá outra vez com mais vinte e assim sucessivamente tornando-me no que se costuma apelidar de caso balão, passei a adolescência a tomar drogas legalmente. Na altura talvez não tivesse consciência que eu e a comida tínhamos uma relação muito íntima bem longe da crueldade dos outros e que à conta dos tratamentos se desenvolveu de forma peculiar. Sim, porque é óptimo desforrarmo-nos a comer quando alguma coisa na vida não corre bem, a comida pode ser uma bela droga e provoca dependência. Bom, quanto ao Galvão Telles, consultei-o quando estava no segundo ano da faculdade com 96kg, não o deixei dar-me drogas na primeira consulta, quando lá voltei com análises e exames onde estava tudo bem, ele começou a abordar-me sobre os meus hábitos de vida e enquanto eu lhe relatava, ele perguntou-me de forma brusca porque é que eu não arranjava um namorado – Elás, a solução é uma pila! – pensei eu, não lhe respondi e nunca mais lá coloquei os pés. Então aquele bruto estava armado em psicólogo? É claro que o homem reparou que eu não estava bem emocionalmente, qualquer obeso não está, mas eu sempre tive dificuldade em falar e confiar em gente bruta. O que é que aquele homem poderia saber da minha intimidade? Por acaso saberia ele que a dor e o sofrimento é uma barreira quase intransponível nos seres humanos e que não se pode compartilhar? Se ele me abordasse dessa maneira hoje em dia seria diferente, provavelmente, insultava-o porque já tenho maturidade para isso. Na altura, estava a passar pelo meu primeiro processo de luto, o meu melhor amigo tinha morrido de forma trágica há pouco tempo, estava muito revoltada, tinha tido um namorado nesse período do qual fugi a sete pés quando ele friamente não me deu qualquer tipo de apoio e estava a pintar compulsivamente, que foi o que me manteve viva, e a comida dava-me um certo conforto, poderia ser pior. Quando passei pelo segundo processo de luto entre 2002-2004 cheguei aos 120kg, desta vez sobrevivi devido à escrita. Quando acordei para a vida resolvi colocar a drástica e por aqui ando a ressuscitar fisicamente também. Quando passamos por choques emocionais fortes as nossas fraquezas ficam à flor da pele e as drogas, entre as quais se pode incluir a comida tornam-se muito perigosas, são formas de prazer, de punição, modos de autodestruição e causam dependência. Ainda bem que encontrei um médico como o Dr. António Sérgio que sabe ouvir e tem uma abordagem delicada e pedagógica, assim tive confiança nele para dar este passo.
Maria João
8 Comments:
Infelizmente, fico com a sensação que muitas vezes se vê apenas o problema (ou a doença)e se esquece a pessoa. Excelente texto. Obrigado pela partilha. Abraço.
Luís N
É verdade Luís, esquecem-se do aspecto das pessoas obesas estarem a sofrer e serem doentes, estão frageis ou deprimidas, poderiam ter um pouco mais de tacto ao aborda-las, afinal, eles levam pancada de todos os lados, porque é que têm de ser maltratados quando vão ao consultório médico para pedirem ajuda? É claro que também existem médicos que têm estes aspectos em conta, mas são raros e eu passei por muitos.
Maria João
Lembraste-me dum micro drástica que escrevi há exactamente um ano:
Ex-músico do famoso Duo deno, o estômago integra agora a popular Banda Gástrica.
Quanto ao teu post e porque até tenho (ainda) uma enfermeira cá por casa, sempre te digo que os médicos têm geralmente o grande defeito de não verem doentes mas sim doenças.
Só agora reparei que o disse o mesmo que o Luís. Enfim, é da idade...
E já estou arrependido de ter escrito este novo comentário. Tenho uma palavrinha para escrever aqui em baixo que é do mais perfeito turco-tártaro (ou será austro-hindu?)
Fernando, que humor gástrico!
turto-tártico? austro-hindu? Cá para mim é palavrão!
:D
Maria João
sem duvida q esse sr. Dr. Galvao Teles nao mediu bem as palavras...mas brutalidade a parte ele nao deixa de ter razao.Numa sondagem q fizeram em Italia conluiram q "estar apaixonado faz emagracer" eu sou exemplo disso, pois num ano perdi imenso peso, ao ponto de alguem me ter chamado de "cabide" heheheh continuo apaixonada mas nao tenho essa pessoa ao meu lado...bolas e tou a ganhar uns kilinhos (apesar de me dizerem q so me fica bem bahhh).
Ainda bem q encontraste ajuda e espero os resultados estejam a ser positivos.
bjokas
Este comentário foi removido pelo autor.
nas minhas investigações sobre a BG encontrei este fragmento e comungo da mesma opinião quanto ao dr. António Sérgio. Fui operada há um mês.
td de bom
M
www.bandagastricamente.blogspot.com
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