11.6.07

O LIVRO PORÉTICO

Continuando a ler o mais recente número da revista Nada, esta explicação do poeta Silva Carvalho, aqui fragmentada em critérios que são meus, sobre a essência do livro porético:

Como é pois um livro porético? É um livro constituído por um certo número de porismas escritos durante um curto espaço de tempo para que sejam impregnados por uma certa tonalidade afectiva. Quando digo, para que sejam, não estou a evidenciar uma intencionalidade, antes comunico uma comprovação, por mais díspares que pareçam ser os conteúdos temáticos desses porismas. (…) As agramaticalidades, os solecismos, as sintaxes duvidosas, etc., são sempre bem-vindas. E a justificação não é só dizendo que um livro porético não é propriamente artístico (já que a sua profunda motivação, infelizmente, visou mais a terapia e a manutenção da sanidade mental), sendo-lhe pois indiferente a beleza, mas afirmando que, sem que se trate de automatismos da escrita como foram concebidos pelo Surrealismo, a Linguagem Porética sempre concedeu à linguagem a sua quota-parte de liberdade e o seu estatuto de revelação da inexistência através da irrupção do disparate ou do inarticulado (Estética da Estupidez). (…) O livro porético, obviamente, também não poderá deixar de transmitir uma visão ideológica, só que esta visão será sempre, dadas as características da estrutura que o definem, uma visão aleatória, independente de quem escreve, isto é, do escrevedor, sujeita a constantes contradições, a acidentes de percurso, ao acaso e à contingência, a diversas circunstâncias, pois um porisma sobre um determinado assunto escrito numa certa data poderá contradizer ou não ser coincidente com um outro escrito numa outra ocasião, sem que, finalmente, o leitor possa saber ao certo qual é a visão ideológica do autor do livro porético.