15.4.06

Nem de propósito

No Mil Folhas de hoje, dois maus exemplos de recensões a livros de poesia. Na página 10, Eduardo Pitta aborda a tradução dos Poemas de Oscar Wilde levada a cabo por Margarida Vale do Gato. Já afirmei e reafirmo o meu respeito pelo crítico (de poesia) Eduardo Pitta, autor de uma coluna na revista LER que primava por uma inteligente capacidade de síntese e cuidada abrangência. O texto que agora me decepciona, intitulado Contra os filisteus, consiste na sua grande maioria num resumo biográfico do autor de O Retrato de Dorian Gray. Não sou leitor que despreze o enquadramento biográfico de um autor, ainda mais, como é o caso, se for um autor que admire profundamente. No entanto, a quem esteja interessado nos poemas de Oscar Wilde, o que acrescenta ficar a saber, através de uma recensão, que Wilde teve uma ligação com o pintor Frank Miles, casou com Constance Lloyd, de quem teve dois filhos, manteve uma ligação extra-marital com Robert Ross, conheceu Lord Alfred Douglas, etc? Isto tudo para, sobre os poemas, sermos informados que: «A luta de Cristo contra os filisteus, por si associada à ambivalente hipocrisia da “boa sociedade” face aos homossexuais, encontrou nos poemas uma adequada caixa de ressonância.» E mais isto: «Eu diria, sem ironia, que esta poesia desmente o aforismo wildeano de que “toda a poesia medíocre é sincera”. Mesmo a balada escrita na prisão, descontando o módico da contextualização, tende a colidir com as leituras contemporâneas do romantismo». Caso para dizer que Wilde merecia mais. Também Adília Lopes merecia outra abordagem num texto, supostamente mais reflexivo, que Eduardo Prado Coelho lhe dedica duas páginas à frente. O pretexto é a edição de Le Vitrail la Nuit / A Árvore Cortada, recentemente publicado pela & etc. No meio de uma enxurrada de citações (20, se bem contei), ficamos a saber que Prado Coelho está em desacordo com Adília num ponto: «há uma poesia da presença que assume a irradiação de um rosto, de um gesto ou de um objecto. Isso não impede que exista também uma poesia da ausência. A presença/ausência não recorta a distinção entre poesia e ética da bondade». Para concluir, 10 citações depois, que: «A poesia de Adília Lopes é um enigma que neste livro se confirma e adensa.» Ou seja: o que num caso há de biográfico em excesso, há no outro de citações. Reflexão e análise, pouco. Muito pouco. Tão pouco que seria preferível, talvez, ocupar as páginas com poemas de Oscar Wilde e Adília Lopes.

1 Comments:

At 2:56 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Plenamente de acordo.
Este "Mil Folhas" está cada vez mais enxundioso e cabotino, no que à crítica literária diz respeito. Do fundamentalismo gay ao fundamentalismo citacional,2 exemplos referidos, venha o diabo e escolha.
Outro ridículo dos ridículos é uma crítica que lá vem à estreia ficcional de um trintão- editot-poeta, livro, diz a recensão, com "falta de densidade emocional, abuso de lugares-comuns e falta de poder de sugestão". Faz-se uma descrição de grelha temporal, tipo pele de tripa para fazer alheiras,...o pior é que o recheio para as alheiras são uns pãezinhos sem sal, episodicamente elucidados pela crítica.
Pergunta-se:
A quem quer enganar esta gente, gastando uma folha de "Mil Folhas", com pepineiras assim?


Leitor de outras coisas,graças a Deus.

 

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