17.1.07

A explicação dos pássaros

Para um visitador anónimo.

Que sabes tu do mundo? Que tiveste amigos com quem jogaste à bola, que o teu pai morreu fazendo-te sentir o apelo da poesia, que os irmãos fugiram-te para a droga, que a tua mãe cuspiu sangue para ires à escola, que os teus avós morreram ao mesmo tempo que morreu a aldeia onde viviam, que há prédios em ruínas no bairro onde acordas e te levam o pequeno almoço à cama porque estás doente. No fundo, sabes do mundo apenas o que sabes de ti. Não podes saber mais, de tão para ti seres todo o mundo que há para saber. Não tens olhos para mais, não queres ter olhos para mais, não sabes ter olhos para mais, teimas em não ter olhos para mais. Leste livros, viste filmes, ouviste música e pensas que o mundo se encontra nas palavras, nos textos que leste, entre as folhas impressas, nas canções, nos sons, nas imagens que te exibem numa tela tudo o que queres saber do mundo sabendo porém que o mundo é bem mais do que o que queres saber dele. Deixa-me só que te lembre haver mundo para lá da tua melancolia, do teu tédio, dos teus olhos. É um mundo que te chateia porque não é claro, não é clean, não é, julgas tu, honesto. Mas esse mundo, ao contrário do que tu pensas, não é diferente do teu. É exactamente o mesmo mundo com a diferença de não serem os teus olhos a vê-lo. Não pretendas que todos vejam o mundo pelos teus olhos, ficaria cego o mundo. E tu isso não queres. Posso dar-te exemplos: Jorge de Sena viu um mundo que tu jamais verás quando viu a felicidade sentar-se no peitoril da janela, assim Assis Pacheco, essa brevíssima pátria de pés esfolados, ou Ruy Belo quando o vento vivia na vizinhança dos nossos gestos. Por isso te repito, porque meus olhos o viram, que nos estendais das velhas aqui do bairro há, sem dúvida, corvos marinhos dependurados. São os homens delas, por quem elas esperam, já mortos no alto mar.

3 Comments:

At 3:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Viram a lista dos dez finalistas do prémio literário correntes d´escritas casino da póvoa? Não é uma brincadeira de mau gosto? Se não, vejamos: o tempo que nos cabe, de mega ferreira, estrada branca, de tolentino mendonça, dois livros altamente indigentes; geometria variável, de nuno júdice, provavelmente o seu pior livro; rostos da índia, de urbano r. tavares - poeta, o Urbano? Raiz do micondó da são- tomense conceição lima, e génese do amor de ana luísa amaral, presumo que por questões de género, num lote onde se incluiam grandes livros como ardem as perdas,de antónio gamoneda, os fantasmas inquilinos de daniel jonas, esta voz é quase vento, do josé agostinho baptista, 1 ,do gonçalo m. tavares,orbe, de paulo teixeira,o osso côncavo, do moçambicano luís carlos patraquim, lavra, do angolano ruy duarte de carvalho, agreste matéria mundo, do caboverdiano josé luís tavares, estes três últimos poetas cimeiros dos respectivos paises, sendo que jl tavares (de quem sou admirador confesso) esteve prestes a vencer a anterior edição com esse comovente paraíso apagado por um trovão, seu livro de estreia que lhe valeu o segundo mais importante prémio(vem atrás do camões) atribuído aos escritores africanos de língua portuguesa, o prémio mário antónio da fundação calouste gulbenkian.Senhor Fialho, Gostaria que emitisse a sua opinião acerca deste assunto

 
At 3:49 da tarde, Blogger hmbf said...

Cago nos prémios literários.

 
At 12:10 da manhã, Blogger Silvia Chueire said...

Gostei muito do texto. Muito!

Um abraço,

Silvia

 

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