17.8.05

Fragmento # 5 – Janela aberta para a natureza

Não sei o que fazer com as mãos ao pé de ti, procuro um cigarro, tenho de abrir a janela, não consigo encontrá-la e és sempre tu que a abres. Agora abriste a luz para eu saber como é, assim não me vou esquecer. Na véspera surpreendi-te quando te beijei ao despedir-me. Não me tinha apercebido que poderia ter esse efeito num homem tão calmo e maduro. Desta vez foste tu que me beijaste de um modo envolvente. E agora, como é que eu abro a janela? Não me esqueci que só te vi realmente na minha janela. É verdade, já te conhecia, mas não te tinha visto bem. Bateste à porta da minha casa, à procura da nossa amiga. Fui à janela, vi-te lá em baixo, disse-te que ela não estava, convidei-te a entrar, a esperares por ela. Disseste-me que esperavas lá em baixo no carro, eu insisti, tu voltaste a dizer que esperavas no carro. Então olhei-te nos olhos da minha janela e disse: entra e esperas na sala dela. Paraste perplexo a olhar fixamente para mim, subiste, abri a porta e deixei-te sozinho na sala da nossa amiga. Privei-te da minha companhia, aliás, estava a trabalhar na sala ao lado com outra pessoa. A Lua foi ter contigo e quando fui abrir a porta da rua à nossa amiga, tu estavas a dar-lhe festinhas no pescoço. A Lua estava totalmente deliciada. Mais tarde, na janela em tua casa, onde fui fumar um cigarro, contaste-me que foi ali que a tua mãe conheceu o teu pai. Existes por causa dessa janela aberta para a natureza, aliás, para a natureza humana, porque tem vista para a cidade e para um antigo quartel. O teu pai era um sentinela no quartel, tu existes porque a tua mãe abriu a janela. Ele tinha de estar ali de guarda, à espera, quando viu a tua mãe à janela pensou: ela tem de ser a minha janela aberta. Eu não resisti em abrir a janela na tua casa, o pretexto era fumar um cigarro, porque nunca sei o que fazer às mãos quando estou ao pé de ti. Gosto da tua janela, não é por causa do fumo. Já te abri a minha janela uma vez, só entraste porque respeitei a tua liberdade, deixei-te com a Lua na sala da nossa amiga. Depois vi a Lua aos teus pés, hipnotizada. A Lua não costuma reagir assim e eu conheço-a como ninguém. Foi assim que reparei em ti. E agora acendeste a luz para não me esquecer onde a posso abrir. Fico desorientada, tenho medo de me perder, não sei onde colocar as mãos, mas já sei onde a posso abrir. Vou ser eu agora sempre a abrir a janela?
Maria João