Oh, como a hipocrisia
seduz, e como se esquece
que em criança se está mais perto
da morte que na velhice.
Ébria de sono, a criança
sorve ao menos a ofensa do pires,
mas eu – com quem me amuaria? –
sozinho estou, em todos os caminhos.
Não quero dormir como um peixe
no desmaio fundo das águas,
é-me querida a escolha livre
dos meus cuidados, dores e mágoas.
Fevereiro – 14 de Maio de 1932
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
seduz, e como se esquece
que em criança se está mais perto
da morte que na velhice.
Ébria de sono, a criança
sorve ao menos a ofensa do pires,
mas eu – com quem me amuaria? –
sozinho estou, em todos os caminhos.
Não quero dormir como um peixe
no desmaio fundo das águas,
é-me querida a escolha livre
dos meus cuidados, dores e mágoas.
Fevereiro – 14 de Maio de 1932
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
Óssip Mandelstam nasceu em Varsóvia, Polónia, em 1891, descendente de uma família judia. Cresceu na cidade imperial de S. Petersburgo, onde frequentou a prestigiada escola Tenishev, seguindo mais tarde para Paris (1907-08) e para Heidelberg (1909-10) com intenção de estudar Literatura Francesa. A partir de 1911 estudou Filosofia na Universidade de S. Petersburgo, curso que abandonou para se dedicar à escrita. Publicou o seu primeiro livro, Kamen (Pedra) em 1913. Embora tivesse inicialmente apoiado a Revolução, a censura sobre os artistas e a execução de Gumilev, em 1921, afastaram Mandelstam do regime. Este afastamento obrigou-o a viajar para províncias distantes como jornalista. Em 1933 Mandelstam escreveu um poema satírico sobre Estaline. A «insolência» só não lhe trouxe a pena de morte devido à protecção de Bukárine. Mas no ano seguinte, Mandelstam foi preso e viveu alguns anos exilado, em companhia de sua mulher Nadyeshda. Regressaram a Moscovo no início de 1938. A 2 de Agosto Mandelstam foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados. O último perído da sua vida é mal conhecido. Sabe-se que esteve na prisão de Butyrskaya em Moscovo à espera de seguir para Kolyma, na Sibéria. Terá morrido a 20 de Dezembro, na barraca n.º 11 do campo de trânsito 3/10 de Usvitlag, entre os presos acusados de «actividades contra-revolucionárias.» (Excerto da nota biográfica contida em Fogo Errante – antologia poética, tradução de Nina guerra e Filipe Guerra, Relógio D’Água, Julho de 2001.)
3 Comments:
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Título: Lirismo Desencantado
Não conhecia o referido poeta, mas achei muito bom o poema acima citado, que deixa a nu o lado amargo e intransigente de um Homem muito corajoso, como todo poeta verdadeiro tem que ser... E, ao lê-lo, senti-me atravessado por uma indizível e pungente sensação de desencantamento lírico de um bardo que escolheu viver o martírio dos vencidos, pois é isto mesmo que a sua grande,trágica, e não-datada poesia se tornou, transtornada pricipalmente pela visão de um mundo que não deu certo: um vitorioso (e digno de ser imitado) testemunho à derrota... Pois quando o seu sonho de um mundo melhor, via comunismo utópico, foi despedaçado pelo comunismo propriamente dito, restou-lhe apenas a opção de, ou negar-se a si mesmo, tornando-se um cínico, ou então, de reafirmar-se mais ainda, assumindo uma suicida postura de rutura e confronto, negando ao Estado totalitário do sombrio leste europeu, a única coisa de si próprio sobre a qual este não podia exercer nenhum controle -o seu consentimento...
Lindomar Cabral
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