Fragmento # 16 – As Janelas
Nas paredes da casa abrem-se as janelas que construí no tempo, abrem o amarelo contínuo da superfície para outros espaços, para outro tempo suspenso e contínuo, desenvolvendo-se paralelamente ao tempo que está a decorrer. A minha casa descreve-me na escrita invadindo as paredes, em forma de pequenas maquetas de cidades, em hieróglifos perdidos e escavados no barro terra que já foi pedra, o tempo tratou disso em labirintos luminosos sobre um azul nocturno e brilhante, numa via láctea em talha dourada. Olho estas janelas como se fossem árvores na estrada, ainda faltam muitos quilómetros para chegar ao fim e sinto os pés no chão a caminhar onde estou. Sei que sou um quase nada que vai em direcção à única certeza que é o silêncio absoluto, o nada imperceptível. Estas paredes já foram brancas e vazias, com o tempo preenchias e rasguei-as com estas janelas. O branco é assim, uma página de papel que se preenche com escrita, com gestos, traços, cores, um temido silêncio inicial que sugere introspecção, que apela à concentração. O branco é em simultâneo um vazio que reúne o todo, também é a fusão das cores no espectro. Agora está tudo amarelo. Sou um quase nada rodeado de polimpsestos amarelecidos pelo tempo, uma migalha no universo. Não é mau ter consciência disso, assim posso olhar o mundo de outra forma. As crianças vêem o mundo com um fascínio e admiração que se perde na idade adulta. A natureza é grandiosa, oferece-nos tudo, mas estamos dependentes dela, também nos tira tudo, é a ordem desordem das coisas. Quero continuar, as janelas nestas paredes são o fio de Ariana, não me posso perder, vou juntando-as como se fossem peças coloridas, construindo um puzzle que nunca está completo. A minha casa escreve descrevendo-me nas paredes pinturas que são rastros da minha passagem por aqui, os meus artismos são aberturas para o exterior, são as janelas que me obrigam a sair destas paredes e prosseguir com os pés e as mãos aqui.
Maria João
4 Comments:
"palmas",
Maria João
JR
Obrigada,Rochas.
Maria João
O Rasto da nossa existência desaparece na aridez da terra na fragmentação da memória, na nossa insignificância, tudo o que transportamos connosco é poeira de estrelas. Existimos apenas para dizermos.
-Estive aqui.
tão querido, beijinhos quark
Maria João
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