2.9.05

A IMACULADA CONCEPÇÃO

Um pássaro
a pino sobre as rochas
um pássaro jamais visto
um pássaro só pássaro
um pequeno pássaro enorme
fascinante
gelado

Um pequeno pássaro vivo
sobre as coisas
como um lado do mar
brilhante
impalpável
seguro
e apesar disso impossível
terrível
obsediante

Foi quando me voltei
para dizer-te: «Repara!»
que ele passou

Mário Cesariny (1923)

Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu em 1923 em Lisboa. Pintor e poeta, a sua formação artística inclui o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumière, em Paris, cidade onde conheceu André Breton, em 1947. Rapidamente atraído pelas propostas do movimento surrealista francês, tornou-se um dos mais importantes defensores do movimento em Portugal. Ainda nesse ano, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa. Cesariny, figura sempre inquieta e questionadora, afastava-se assim, de maneira definitiva, do movimento neo-realista. Passou a adoptar uma atitude estética de constante experimentação, logo visível nas suas primeiras colagens e pinturas informalistas realizadas com tintas de água e distribuídas no suporte de forma aleatória. Seria este princípio anárquico que conduziria a obra de Cesariny ao longo da sua vida (incluindo a sua produção poética, que o autor considerava construir a partir deste desregramento inicial das suas experiências na pintura). Dinamizador da prática surrealista em Lisboa, Cesariny iria criar «antigrupos», com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, tentativa também visível na sua obra poética. Participou, em 1949 e 1950, nas I e II Exposições dos Surrealistas, pólos de atenção de novos pintores, mas ignoradas pela imprensa. Crescentemente dedicado à escrita, Cesariny viria a publicar várias obras poéticas. A edição da sua obra não segue linearmente a cronologia da sua produção. Corpo Visível é o volume em que as características surrealistas são já dominantes — em textos anteriores, a denúncia social aproximava-se, por vezes, do neo-realismo, embora já em Nobilíssima Visão esta escola fosse objecto de um olhar crítico. O humor, o recurso ao non-sense e ao absurdo, são marcas da escrita de Cesariny, de uma ironia por vezes violenta, que incide sobre figuras e mitos consagrados da cultura portuguesa e ocidental. *

1 Comments:

At 1:06 da manhã, Blogger alfredo henríquez said...

Que boa homenagem ao poeta, conheci a Mario e tive a oportunidade de partilhar com a sua presença num jantar com Herminio Monteiro,um outro grande poeta.

 

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