3.11.05

UM ARTISTA

Adoro a ideia da sua ira.
A sua obstinação contra a rocha,
o modo como extraía
a substância de verdes maçãs.

O modo como era um cão a ladrar
à imagem de si mesmo a ladrar.
E o seu ódio à sua própria entrega
ao trabalho como única coisa eficaz –
à vulgaridade de estar sempre à espera
de gratidão ou admiração, o que entendia
implicar que algo lhe era subtraído.

O modo como a sua força moral
resistiu e cresceu
porque ele fazia o que sabia.
A sua fronte como esfera arremessada
cruzando um espaço por pintar
para lá da maçã e para lá da montanha.

Seamus Heaney
Seamus Heaney nasceu no Ulster britâncio em Abril de 1939. Considerado por muitos o melhor poeta irlandês desde Yeats, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura em Outubro de 1995. Heaney viveu no campo, com a sua família, até aos doze anos, idade com que venceu uma bolsa para estudar no St. Columb’s College de Derry. Os seus primeiros versos apareceram quando o poeta já vivia em Belfast. Porém, o seu primeiro livro de monta seria North, publicado em 1975. Para trás tinha ficado a ligação a uma geração de jovens escritores que ficou conhecida como a “Northern School”. São dessa época o seu primeiro livro de poemas, Eleven Poems (1965), mas também volumes como Death of a Naturalist (1966) e Door into the Dark (1969). Escolhido em 1989 para ser professor de poesia na Universidade de Oxford, Seamus Heaney, irlandês do norte, nacionalista, católico, fez da poesia uma forma de luta contra a intransigência de Londres nos piores anos do conflito irlandês. «O objectivo da arte, da poesia, é, de alguma forma, reparar o que está danificado.» - disse.