O DESERTO
O deserto sem nexo, inesperado, tal como surge metaforicamente sentido no imponderável percurso de além-tréguas. Sobrecadência de algum meio-dia já percorrido, já esgotado (em corridas, em percursos múltiplos), e aí se anuncia um excedente percurso a acometer e nesse percurso se revela o deserto. É a experiência pura da terra abrasada, desassombrada, enigmática de neutra. Estranha ao caminhante. Envolve a luz, a distância e a mortalidade consumada do caminhante. A finitude, e os vários amarelos dessas horas solares. Meio-dia, ou mais uma, duas, até sete meias-horas após o meio-dia: as horas magnas da insolação desértica. Em qualquer estrada anexa a um lugar povoado, ao sul. Espírito dos lugares circunvalantes, nas 7 meias-horas do meio do dia, ao sul. Experiência que pode ser instantânea, intervalar. Basta que surja sobre, a mais que, a cadência adquirida de uma manhã esgotada. É nesse além-tréguas, nessa sobre intimidade que o deserto consiste. Ir de rastos, a-té-ao-fim-do-es-pa-ço.
Álvaro Lapa nasceu em Évora no dia 31 de Julho de 1939. Pintor-escritor, mudou-se para Lisboa, matriculando-se na Faculdade de Direito, em 1956. De 1960 a 1962 frequentou o curso de filosofia na Faculdade de Letras, tendo começado a pintar precisamente neste último ano. Foi professor do Ensino Técnico em Estremoz, ensinando Português, durante um ano. Em 1963 foi afastado compulsivamente da Função Pública e, no ano seguinte, começa a expor os seus trabalhos em várias galerias da capital. Em 1965 foi viver para o Algarve, regressando a Lisboa seis anos depois. Os seus primeiros livros aparecem na década de 1970, após a conclusão, em 1975, da licenciatura em filosofia: Raso Como o Chão (1977) e Porque Morreu Eanes (1978). Em 1976 reentrou no ensino (Ciclo Preparatório, na Póvoa do Varzim), sendo depois contratado para Professor Assistente na Escola Superior de Belas Artes do Porto onde ensinou Estética. Em 1982 publicou, pela & etc, aquele que é, talvez, o seu livro mais reconhecido: Barulheira. Foi expondo regularmente uma obra pictórica cujo reconhecimento valeu-lhe vários prémios. Faleceu no passado dia 12 de Fevereiro.
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