17.7.06

VERNIZ

Não gosto de unhas envernizadas,
sobretudo com aquele tipo de verniz
esbranquiçado que agora se vê bastante.
Há mulheres que ficam bem com unhas ver-
melhas (ou de outra cor).
Mas o verniz esbranquiçado é feio porque é
um estar entre [é um nem pintar nem
deixar de pintar] ___________

É como dar um beijo sem meter a língua.
Como ir ao cu com jeitinho, tal brisa que se
escapa do jardim por entre milenares cortinas.
É querer e é não querer. Viver num halo, dizer
muitas vezes a palavra tule.
É recuperar, toda a vida, daquilo que nunca
se fez.

É ter orelhas e elas serem feias e apesar disso
tê-las e apesar disso tratá-las de modos e
respeitosamente.
É chamar Syd Barret ao cão e
do homem reciclar: “foi pena”.

A vida é um purgatório e eu não sou exemplo.
Mas há coisas que não me fazem sonhar e então
eu digo.




Rui Costa

14 Comments:

At 6:36 da tarde, Anonymous Anónimo said...

fixe

 
At 6:42 da tarde, Blogger manuel a. domingos said...

bom

 
At 8:55 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Atenção a esse complexo sado-anal.
Às vezes, vira-se o feitiço contra o feiticeiro...

amigo da humanidade

 
At 1:28 da manhã, Anonymous Anónimo said...

ó amigo: descontraia-se e escusa de me dar graxa que eu só vou onde me apetece. e olhe, saúde.
Rui Costa

 
At 10:09 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Rui, agora aviso-te eu. A saúde não se deseja assim sem mais nem menos. Cuidado. :) Este poema é mesmo muito bom. Obrigado.

 
At 11:54 da manhã, Blogger maria said...

Magnífico!!!

Vou roubar a última frase. Posso?

 
At 4:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não sabia que o verniz para as unhas dá azo a alguma celeuma.Se assim é, estou "em casa".Descobri o vermelho recentemente e não quero outro.

 
At 4:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

henrique:pois é, mais vale um champagne mau numa ocasião boa.
mc: usa e abusa, e faz festas no jardim.
Rui Costa

 
At 4:38 da tarde, Blogger blimunda said...

Ao syd, com sincera reciclagem e ao rui costa, porque eu também digo



o meu gato, betty, não syd, não cão,
morreu ontem. era um gato gata
de cloaca fingida e miados grossos
e a única coisa que lhe restou
ao morrer
foi uns olhos grandes de dignidade de gato
um miado grosso e
uma mijadela ainda quente no chão da cozinha. cheirava
a morte muito antes de morrer
e eu sinto como tu
que há coisas que não me fazem bem
e
então eu vou e digo

: por exemplo, quando o tempo está assim
como hoje
uma mistura de areia do deserto e cola de mar
estico os pés em cima do sofá
vermelho e arranjo os pés. não há
absolutamente nada mais bonito e de fazer
tanto sonhar
com mundos todos de pessoas bonitas
e coisas bonitas em todos os mundos
que brilham como diamantes
nos olhos das pessoas
ou como poesias
a acontecer
em olhos de pessoas que são bonitas e têm vidas a acontecer
que pintar as unhas dos pés. de vermelho
claro.
hoje
por exemplo
lembrei-me do meu gato gata
betty, não syd, não cão, e de cloaca fingida
: pintei de vermelho, não encarnado
as unhas dos pés
fiz girar o vinil de 33 rpm e

juro-te que ouvi
com estas orelhas que me calharam
nem grandes nem pequenas
shine on you crazy diamond
e
por alguns segundos
atravessou-me um dos olhos essa luz
que algumas vezes
só algumas vezes nos atravessa
os olhos:
e eu
para aí com treze anos acho
deitada de barriga para baixo na alcatifa do meu quarto
a cara encostada à coluna de madeira do gira-discos
gritava baixinho
shine on you crazy diamond
sem saber que agora
estaria era aqui
a falar com alguém de quem nunca vi os olhos
sequer
diamantes

mas creio
que já vi esta poesia acontecer algumas vezes
algumas vezes só
a primeira eu devia ter para aí uns treze anos e por isso
colei uma borboleta em cada unha de cada dedo
grande
e nos buracos das orelhas
as tais que me calharam e que com a idade se vão
aumentando
na razão directa
da sabedoria que vou perdendo
meti dois miosótis. é mentira
mas miosótis
é uma palavra que me faz
sonhar

e eu quando morrer quero ir
numa mijadela rápida e quente
como o gato betty
que não é syd, nem cão
e em vez de um miado grosso
pode ser que me calhe bem dizer
com a dignidade toda
olha
pode ser
miosótis

 
At 7:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Dom Ruy,
Não se amofine! O problema não é onde você vai, mas onde lhe podem ir.Quem com ferros mata...
O seu texto tem um ou outo "verso" safável, mas não passa de uma banalidade misógina, sem qualquer densidade, para chocar meninas de colégio.

 
At 8:22 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Discordo da acusação de misoginia. O poema parece-me bem construído, fluido, com bons versos (um ou dois ou mais, não importa), etc. A provocação nos comentários também é excelente. Mas lá misógino é que o poema não me parece. Não me incomodaria que parecesse. Penso em Pavese e vou ali já venho. O poema é contra os artefactos “anti-tusa”. Confessá-lo não é crime, denuncia um certo estado de coisas. Ademais, os três últimos versos, enfermando talvez de uma certa auto-indulgência - «A vida é um purgatório e eu não sou exemplo. / Mas há coisas que não me fazem sonhar e então / eu digo.» - acabam por justificar, quanto a mim bem, o tom mordaz das estrofes anteriores. São leituras, como é óbvio, e eu não meto a mão no fogo por ninguém. Mas que os artefactos insonsos da “feminilidade betinha” são mesmo enfadonhos ninguém o pode negar. Um certo verniz de que fala o Rui é um deles.

 
At 8:25 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Acrescento: este é claramente um dos melhores poemas que já se publicaram neste weblog. O Rui honra-me tendo escolhido este espaço para o publicar.

 
At 8:27 da tarde, Blogger MJLF said...

Poema com pouco verniz, sim senhor!

 
At 8:32 da tarde, Blogger maria said...

"É recuperar toda a vida daquilo que nunca se fez"

Isto é um mundo!

Cada vez gosto mais do poema do Rui.

Henrique tens razão, este é um dos belos poemas que se postam aqui.

 

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