29.9.06

Asma

x – já ouviste Ventilan?
y – tens cá um ego.
x – ouviste?
y – ouvi.
A feira popular era linda. Muita animação, muitas luzes mas também muito pó. Algo de cósmico (os meus pais?) esteve contra mim nessa noite: tive o meu primeiro ataque de asma. Aos 4 anos. A partir daí a doença (doença?) instalou-se no meu peitinho desprotegido (falta de mãe?). Claro, não era só nos pulmões. Era no coração (disparava), nas mãos (tremiam), nas pernas (fraquejavam), na cabeça (enevoava-se), nos olhos (vermelhos de água). A asma tomava-me por completo. As situações propícias ao seu ataque aumentavam: se via um borrifo de pó, pimba! (tiraram a alcatifa do meu quarto e as flores de plástico da sala), se inalava produtos de limpeza, desde o Ajax (pobre deus) ao Pronto tira-nódoas, pumba! (o soalho do meu quarto não era encerado e diziam que os ácaros adoravam o meu colchão), se estava muito frio, toma! (e debaixo de quatro casacos, toma!), tudo (gatos? Estaria esta criança louca? Nem pensar. Animais domésticos têm a asma na alma!) mas tudo levava ao valente ataque de asma. Correr? Fica quieto. Brincar? Cuidado, é melhor não. O que é que eu posso fazer? Nada, se não ficas com asma. Terrível. A exclusão na altura da aprendizagem da inclusão, do convívio. Percebi mais tarde que a minha asma vinha directamente da minha cabeça, dos meus medos, da minha infelicidade. A tristeza interior revoltou-se. A revolta saiu em forma de asma (olhem, olhem, não respiro!) mas não teve bons resultados: a minha asma foi acariciada e mantida durante mais alguns anos sob uma paleta gigantesca de medicamentos (droga, droga para o menino ficar bom). Lembro-me de ir para a escola com sete e oito anos completamente pedrado (droga dura mesmo!). Na escola muitas vezes não podia brincar, jogar à bola. Tinha asma. Tens asma? Tenho. Custa muito? Um bocadinho. Quando é que passa? Não sei, tenho que tomar os remédios. Adeus. Adeus.Até que um dia um tal senhor doutor lembrou-se de aconselhar a minha mãe a levar-me à Natação. Abençoado homem. A cura pela água, pelo exercício (pelos vistos o esforço de um nadador era muito diferente de um corredor) e, claro, pelo convívio, aos poucos de igual para igual. Mas a sacana, mesmo assim, fazia as suas aparições. Ressurgia do nada para atormentar os momentos de mais tensão. Pois, sempre me pareceu uma doença nervosamente reactiva (aqui entre nós, pieguinhas). Mas isso, como já disse, aprendi com o tempo. Em tranquilidade não há asma.

* Este é o meu último texto para o Insónia. Um abraço de coração a coração para o meu amigo Henrique.
Nuno Moura

5 Comments:

At 9:45 da tarde, Blogger Miguel Manso said...

"Abençoado homem"

 
At 10:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

tenho pena. gostava de te ler por cá.

 
At 11:45 da manhã, Anonymous Anónimo said...

espero encontrar-te sempre. um beijo.

 
At 8:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

É pena Nuno...

JR

 
At 5:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Muito bom o seu texto sobre Insonia:asma. Eu me vi nele...Um abraço!

 

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