27.9.06

DESPERADO

O índio não percebe o cowboy e o cowboy não percebe a mãe. A mãe do cowboy é católica, fala para dentro, tem dentes de cereja que as visitas engolem com os olhos, como crianças tolas com as mãos todas que merecem. A mãe é católica mas nunca se queixa porque gosta de índios e cowboys, propendendo igualmente a um pequenino gozo com a incomodidade que o progresso recicla. Não lava as mãos, coça a barriga, pensa noutra coisa quando lhe destróis o dia. A mãe do índio grita mais ainda e eis que a lua começa. Do lado do sol, a mãe do cowboy enche-se de esgrimas e reza com grinaldas nas orelhas entre veredas finas. O amor da mãe pelo filho é uma luta entre o sol e a lua, com estepes ao fundo onde esquecemos tudo o que passamos a vida a perder.


Rui Costa

2 Comments:

At 8:51 da tarde, Blogger margarida said...

Como dizias é realmente muito bom este teu último post. Ainda bem que o "menino" não perdeu o espírito auto-crítico!!!!!
E com que então o meu blog é "dos direitinhos"!!!! Hummmmm [Uma bolinha amarela a fazer-te uma careta]

 
At 1:15 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Sim, sim, o sol é o cowboy, a lua é o índio, melhor dizendo, a mãe do índio é a lua, e a mãe do cowboy é o sol e não grita quando vê a lua. Logo a mãe do cowboy, que até é católica, não lava as mãos, pensa constantemente noutra coisa, passeia-se com grinaldas nas orelhas, e ainda se dá ao luxo de mostrar disposição para um pequenino gozo com a incomodidade que o progresso recicla (tenho dúvidas sobre esta reciclagem, o que vale é vai tudo à pala da ficção e do universo poético e simbólico).

Apetece-me antes, e do mesmo autor:

Fim da primeira parte
(...)
"Por isso estalam nos sonhos, soberbos, por entre gatos parvos ruminando a morte nas gavetas. Não quero biografia, quero memória. Não quero a vida, quero o lugar do amor. E como as coisas demoram quando de perto trazem: espaços, fracturas, certos castanhos acidentes. E esta pequena falta de jeito para as coisas. As coisas.(...)Ou não saber dizer: eu oiço mãos que tombam no silêncio."


Rui Costa, A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, V.N.Famalicão, Ed. Quasi, 2005

 

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