Câmara Clara
Ontem falou-se de poesia na televisão. Falou-se da relação sempre difícil entre televisão e poesia, lembrou-se o trabalho de Manuel Hermínio Monteiro, citaram-se editoras, elegeram-se poetas, sugeriram-se livros, discutiram-se recitais. Já opinei sobre este tema dos recitais, afirmando que os poetas portugueses, na generalidade, não sabem ler em voz alta. Manuel Antónia Pina foi a confirmação desta ideia, deixando-se levar pela comoção ao ler um poema em memória de Manuel Hermínio Monteiro. O momento foi bonito, a leitura foi péssima. A comoção engasgou o poeta, a voz tremeu-se-lhe, as palavras só muito a custo foram arrancadas ao pulmão. O próprio disse preferir o silêncio das palavras às palavras com voz, posição, de resto, similar à de poetas como Joaquim Manuel Magalhães que dizia ter a poesia «pouco a ver com teatralizações da voz e, sobretudo, nada a ver com a pacatez de gente colectiva sentada a ouvir». A cada qual as suas razões. Eu cá continuo na minha, depois de ter assistido recentemente à violentação de um poeta e ao tremor de um outro no confronto com as suas próprias palavras, julgo que o melhor será mesmo evitar tais momentos de televisão e optar pelos recitais nas casas de má fama. Ainda assim não posso deixar de fazer notar aquela que foi, quanto a mim, a afirmação da noite (à excepção das citações de Valéry, Borges e Winnie the Pooh). Nuno Artur Silva é o autor do feito, ao afirmar, num breve momento de maior excitação, que «a poesia raramente acontece nos livros». Ok.
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