2.3.07

DA TERNURA

Estávamos deitados perto de uma pequena aldeia,
As balas revolviam a polpa da palha molhada.
Petro Gamanenko, marinheiro de dois metros,
Tira Lionka, o batedor, de sob a metralhadora.

Lionka chorava. Os seus olhos azuis, estreitos,
Encheram-se de lágrimas e brumas pré-mortais.
Nas suas costas curvas, esmagadas por um estilhaço,
Surge uma mancha de sangue, grossa e vermelha.

Arrastou-se a enfermeira ruiva,
Pôs-lhe ligaduras, como fraldas apertadas,
E murmurou: ‘Acabou-se a viagem, marinheiro.
Perdeste, Petro, o teu amigo querido!’

Sacode a ‘Maxim’ num ataque de raiva.
Delira o ferido em voz entrecortada.
Com gestos toscos que revelam ternura,
Gamanenko afagava o cabelo de Lionka.

No corpo curvado infiltrava-se a agonia,
Da crosta de ligaduras não parava de sangrar.
Através da canhonada, um gemido senti,
Um soluço nervoso, e um tiro de revólver.

…Estávamos deitados perto duma pequena aldeia.
As balas roíam aquele monte de escombros.
Petro Gamanenko, marinheiro de dois metros,
Teve piedade do seu melhor amigo.

Tradução de Manuel de Seabra.


Alexei Surkov

Alexei Surkov nasceu em 1899. Filho de camponeses pobres, estudou no Instituto de Professores Vermelhos e no Instituto Gorki de Literatura, depois de ter trabalhado em várias actividades. Combateu na Guerra Civil e foi correspondente de imprensa durante a Segunda Grande Guerra, tornando-se conhecido, como poeta, pelas suas poesias alusivas a essas experiências. Em 1930 publicou o livro Zapév, tendo sido mais tarde laureado com o Prémio Nacional de Poesia. Morreu em 1983.