AMOR À PORTUGUESA
A noite, como uma chaga, inundou-se de luz.
As estrelas olham com olhos de prisão,
e nós ali sob a ponte Salazar
à sua sombra negra como breu.
O ditador prestou-nos um serviço,
e como ele não está ali connosco,
emigramos com os lábios de visita
desta terra desditosa.
Sob a ponte de betão e medo,
e com um nome tão autoritário,
os nossos lábios eram dois países
onde nós os dois éramos livres.
Eu roubo, eu roubo a liberdade
e basta um só momento de roubada
para eu ser feliz,
sem censura a minha língua pecadora.
Mas no mundo, onde mandam os fascistas,
onde os direitos de todos são pequenos,
ficam umas pestanas compridas,
e debaixo delas um mundo diferente.
Mas, vestindo a gabardina fina,
mostrando-me o anel no dedo,
uma portuguezinha diz: porque choras?
Eu não choro. Já chorei tudo.
Dá-me os teus lábios. Aperta-me e não penses.
Eu e tu, minha querida, somos fracos
debaixo desta ponte, como de um cenho duro
duas lágrimas que o mundo não vê…
Tradução de Manuel de Seabra.
Yevgeny Yevtushenko nasceu na Sibéria no dia 18 de Julho de 1933. Mudou-se para Moscovo ainda criança, tendo mais tarde estudado no Instituto Gorky de Literatura. Começou a publicar poesia em 1949, no jornal Sovétski Sport, e em 1952 lançou o seu primeiro livro: Prospectores do futuro. É um dos poetas soviéticos mais conhecidos, também pelas suas tomadas de posição contra o regime de Estaline. Escreveu peças para teatro e romances, realizou filmes e praticou a arte da fotografia.
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