2.6.07

BABEL

Cedo nos instruem na dissimulação da vontade, educam-nos os sentidos para que resistamos à dor de um desejo reprimido. Não haver motivos para o choro, confirma-nos que o choro vem de um lugar onde os motivos são o areal que dorme sob o peso silencioso das águas. Como um bebé que chora no colo da mãe por não poder cumprir um desejo interrompido pela educação dos gestos, é a humanidade na Terra. Mas é também no silêncio fundo das águas que tudo começa, com uma mãe a servir de berço, um berço absoluto, onde se desenham as primeiras coordenadas de um futuro que nos aguarda. Esse é um berço essencial, assim como a Terra o é das civilizações, dos povos, das línguas. Uma diferença, contudo, fractura o paralelismo. O berço que a Terra é, ao contrário das mães, não condiciona tanto quanto é condicionado pelos seus filhos. O que vivemos hoje é antes uma ausência, uma ausência desse berço absoluto que desenha as primeiras coordenadas. O que temos hoje é uma entrega à sorte anárquica dos poderes. Nesse sentido, podemos dizer que o mundo globalizado é como uma criança órfã. Ou seja, é a Terra a ver-lhe fugir a humanidade como um corpo em queda num precipício sem fim. Resta-nos ter esperança no vento, que o vento nos ampare a queda e limpe do rosto as lágrimas inevitáveis dos crimes cometidos. Afinal, nós até não somos maus. Apenas fazemos coisas estúpidas.

2 Comments:

At 2:16 da manhã, Blogger Ricardo António Alves said...

Excelente. Só não sei se não seremos, além de estúpidos, maus.

 
At 10:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Nem eu, RAA. Nem eu.

 

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