27.9.07

Fragmento #56 – Limpar o pó


Contrataram-me para um evento especial num museu – isto de viver de biscates tem que se lhe diga, pelo menos vai variando; e lá fui trajada a rigor – brincos antigos de esmalte e ouro (prenda da família), saia de bom tecido, sapatos clássicos, echarpe de seda . Deparei-me então com um director que nada tinha a ver com o meu contrato e vi logo que ele era do tipo que não gosta de mulheres – já os topo pelo cheiro à distância. O dito cujo não gostou do meu saco de tecido indiano – onde transportava o cofre do dinheiro para os pagamentos, entre outras responsabilidades do evento; e não sei porquê, ele decidiu mandar-me limpar o pó das cadeiras onde as pessoas se iam sentar, entregando-me um pano com ar de nojo; calmamente, eu limpei o pó com uma classe que ele desconhece e logo a seguir levou comigo: chegaram as funcionárias do museu que me tiraram o pano das mãos, dizendo que eu não tinha que fazer aquilo. E ele que estava de braços cruzados a arrotar postas de pescada sobre a melhor disposição do material teve de me aturar a colocar ordem nos assuntos em termos práticos e sempre ao contrário das suas ordens, perante a satisfação das funcionárias. Durante o evento fui apresentada oficialmente à criatura, afirmando logo que já nos conhecíamos e ainda aproveitei para o fazer estremecer, publicamente, mais um pouco e com subtileza, porque eu limpo o pó como bebo chá ou descasco cenouras, é tudo igual.

Maria João

10 Comments:

At 11:46 da tarde, Blogger hmbf said...

Toma lá, vai buscar. Grande Maria!

 
At 9:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

:)

 
At 11:40 da manhã, Anonymous Anónimo said...

tou a ver a cena
Rui Costa

 
At 11:59 da manhã, Blogger MJLF said...

Henrique: Marias unidas jamais serão vencidas!
Sara::DDD
Costa: tás a ver? nunca me viste a descascar cenouras.
:)
Maria João

 
At 12:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Voltei para reler a parte final do texto, sabia que acabava de maneira fabulosa.
Lindo, lindo.
(Só gostava de saber como é que o fizeste estremecer subtilmente e publicamente):)

 
At 1:27 da tarde, Blogger MJLF said...

Isso não posso revelar porque implica dizer os nomes das pessoas - e eu não coloco o nomes nos meus textos. Avanço só o facto de ele por fim saber o meu nome e eu gozei o pratinho com subtileza, fez-me lembrar o poema "Pato Bravo" do Alberto Pimenta, algo como "quem é quem é quem é...", está entranhado na nossa cultura provinciana, mesmo na grande urbe ou puta Lisboa!
Maria João

 
At 5:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ainda hoje assisti a uma cena do mais caricato provincianismo, patobravismo no supermercado, até saí da fila para ver melhor. Nem parecia verdade, parecia um cartoon. Final da cena (perdi o início e foi pena) entre a portuguesa loira, rica e alta e a morena pobre, brasileira e baixinha:
Loira rica: Você não sabe com quem está a falar! Nem imagina!
Brasileira pobre: E quem você?
Loira rica virando-de da caixa de multibanco onde levantava dinheiro, olhos esbugalhaos:
- EU SOU ADVOGADA.
Imaginando que depois desta declaração a pobre caía desmaiada no chão, fulminada pela notícia.
Mas não. (Portugal já não é o que era!) Aí é que a outra se passou completamente e a loira rica teve de sair a correr debaixo de uma saraivada de insultos.
(foi mesmo há bocadinho)
Abraço

 
At 11:58 da tarde, Blogger MJLF said...

Tens razão Sara, os brasileiros, ucranianos, africanos etc... têm-nos feito muito bem! Acho que ainda vai ser a nossa safa!
Maria João

 
At 1:01 da manhã, Blogger Luis Eme said...

Mas não era preciso limpares o pó... sopravas... de preferência para cima do marmanjo, com tiques de dono de quinta...

 
At 1:18 da tarde, Blogger MJLF said...

Ó Luís, limpar o pó num museu, vestindo uma saia de bom tecido, encharpe de seda, sapatos clássicos e brincos antigos de ouro e esmalte ouro é uma performance fantástica!
:)
Maria João

 

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