O HOMEM, A MENSAGEM
Um escritor não tem que ser recomendável, pode ser um grande filho da puta e um genial criador. Poucas coisas se comparam à Viagem ao Fim da Noite de Céline, a muitas palavras de Ezra Pound e a várias obras de Vargas Llosa ou Borges. Estou-me borrifando que sejam politicamente de direita e alguns até fascistas e colaboracionistas. É qualquer coisa de diferente que está impresso no papel em chumbo ardente.
Nuno, isso não é verdade e mesmo um reaccionário (frequentável) como o velho De Gaulle soube dizê-lo quando um conjunto de almas sensíveis lhe foi pedir que comutasse a pena de morte ao Brasillach (e se escrevia bem, o Brasillach!); disse que se ele escrevia assim tão bem mais culpas tinha pelo que escrevia, porque tinha mais “responsabilidade”. E a menos que na vida valha tudo e o seu contrário, a literatura não é de facto uma pura irresponsabilidade.
Eis um tema recorrente, sempre motivo de divergências e renovadas perspectivas. Aquando da morte de Elia Kazan, por exemplo, muito se discutiu esta relação entre obra e autor, entre qualidade e biografia, entre causas e feitos. O problema surge quando a questão é mal colocada, ou seja, quando ela é colocada apenas no plano político. Facilmente compreendemos que pulhas de primeira deram ao mundo obras geniais e muito boa gente nunca passou da mediocridade em termos criativos. Estar em causa o que se escreve, é uma coisa; estar em causa quem escreve, é outra bem diferente. Um bom texto, um bom filme, uma boa escultura, serão sempre boas obras, tenham sido produzidas por quem quer que seja. Até podem ter sido produzidas por anónimos, colectividades, associações obscuras. É indiferente. A obra, enquanto resultado de um qualquer ímpeto, não tem que reflectir nem espelhar as idiossincrasias de quem a produz. Por isso apreciamos as obras de Van Gogh, mesmo que dificilmente lhe confiássemos os filhos. Quando a obra reproduz, incentiva e denuncia perspectivas políticas, então temos uma outra questão. A de saber se essas perspectivas são legítimas ou não, boas ou más, em função de critérios sempre subjectivos e discutíveis. Pessoalmente estremeço de enjoo, se me é permitida a expressão, sempre que noto numa obra certas correntezas políticas e estéticas, a subjugação a determinado estilo – o bom autor é o que domina o estilo, não aquele que se deixa dominar pelo estilo -, a subserviência ao dogma, a subsunção do indivíduo à vontade de enaltecer um ideal colectivo, seja ele qual for. Um texto bem escrito é um texto bem escrito, independentemente de quem o tenha escrito. Mas o que garante a qualidade de um texto não é, por si só, o facto de ter sido bem escrito. É também o que nesse texto se entrevê de mensagem. Nesse caso, a cada um a que lhe convém.
6 Comments:
De acordo com tudo o que disseste;na arte ,e em outras opções de profissões devemos ter os pés no chão.
jr
O homem sabe que as escadas podem ser subidas e descidas consciente do seu acto.As vacas e os bois por exemplo não as sabem descer,só subir, escorregam quando descem.As vezes prefere ir de elevador,ou pode estar avariado,e espera-se pelo arranjo ou vai-se embora,podem lá estar pessoas ou não ,até pode ter caído vazio,caminha-se sempre para a frente apesar disto tudo.
- O que acabei de escrever é apenas uma comparação onde existe uma metáfora;cada um tira a elação que quiser mas prefiro que as veja com os pés no chão.
J.r
arte com pés no chão: ora aí etá uma visão aterradora - que nos sobraria se assim fosse? eu cá prefiro a que tira os pés do chão, ousa, transgride, abala, desmancha, voa, voa, a mil obrinhas de deus... e a verdade é que muitas vezes dou por mim a amar um artista que sei ser um pulha: provavelmente ele transcende-se aí, na obra criada. e depois, omissos, pulhas, somos quase todos, basta a ocasião certa...já Artistas
Tens alguma razão blimunda!
Joaquim
Peço perdão
Peço perdão pelo meu segundo comentário e na primeira refererencia reflecti agora que foi uma reflexão(jr).
Joaquim
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