10.3.08

ECOS DO FANTAS 2008

Há muito que o Fantasporto deixou de ser um mero festival de vampiros, zombies e grupos de yakuzas a jogarem futebol com as cabeças dos inimigos e a espetarem pauzinhos nos olhos dos polícias. Nos últimos anos, foi possível assistir no Fantas a filmes como L.I.E., de Michael Cuesta, Bloody Sunday, de Paul Greengrass, Amores Perros, de Alejandro G. Iñaturri, Divorcing Jack, de David Caffrey, ou Funny Games, de Michael Haneke, que pouco ou nada têm que ver com o universo radicalmente fantástico de Blade Runner e Braindead. O festival cresceu, a ficção científica e o terror hilariantemente grotesco deram lugar a uma seriedade filosófica que muitas vezes foge ao estigma do mero entretenimento. Permaneceu o medo como emoção chave de uma cinematografia que vive, sobretudo, da capacidade de nos surpreender os sentidos provocando-nos sensações arrepiantes. Nos premiados deste ano, a presença de um filme como The Lovebirds (Prémio Especial do Júri), de Bruno de Almeida, não pode passar despercebida. Inteiramente filmado em Lisboa, recorre a um conjunto de actores estrangeiros (Michael Imperioli, John Ventimiglia, Nick Sandow, etc.), protagonistas em séries norte-americanas como The Sopranos e Law & Order, entre outras, para nos mostrar uma Lisboa cosmopolita. O filme apenas resiste a uma completa trivialidade pela forma como a cidade aparece filmada, fragmentada em várias histórias, sem qualquer ligação aparente, todas elas remetendo-nos para o amor e a amizade enquanto elos de ligação interpessoal. Mas as histórias são todas demasiado previsíveis, causando-nos amiúde um certo desapontamento que só não é total pela presença sempre atraente de actores como Ana Padrão, Rogério Samora, Ivo Canelas ou Joaquim de Almeida. O realizador Fernando Lopes também aparece a fazer de realizador Fernando Lopes, ao lado de Joe Berardo a fazer de Joe Berardo naquele que é, talvez, o mais fantástico momento num filme de contornos assaz realistas. O realismo deste filme português contrasta com a cada vez mais esmagadora presença do cinema espanhol. Dois filmes de encher o olho: El Orfanato (Melhor Realização e Melhor Actriz) e [Rec] (Grande Prémio Fantasporto 2008 de Cinema Fantástico). O primeiro, dirigido por Juan António Bayona, é mais uma produção de Guillermo del Toro, que o ano transacto havia arrecadado o Grande Prémio do Fantas com El Laberinto del Fauno. Filmes diferentes, embora ligando-se nos temas abordados, são a prova de que o cinema espanhol é hoje uma máquina muito séria de cinema fantástico. El Orfanato conta uma história onde a intercepção do real com o imaginário resulta numa projecção constante dos recalcamentos mais profundos de uma mãe adoptiva. O desaparecimento misterioso do filho, atira-a para uma busca desesperada onde a ciência da psicologia entrará em conflito com a fé do medianismo. As fronteiras entre a vida e a morte num filme que conta com a excepcional interpretação da actriz Belén Rueda (talvez se lembrem dela em Mar Adentro, de Alejandro Amenábar). Diferente, mas não menos estimulante, é [Rec], de Jaume Balagueró e Paco Plaza, uma experiência cinematográfica imperdível. Reminiscências de The Blair Witch Project são inevitáveis, embora o filme espanhol seja incomparavelmente superior a todos os níveis. A atmosfera, de um directo televisivo com uma tensão em crescendo que deixa o espectador sem fôlego, é permanentemente sufocante. O que deveria ser uma reportagem sobre o trabalho de uma equipa de bombeiros na cidade de Barcelona, transforma-se numa tentativa de sobrevivência de termo imprevisível. Sob suspeita da presença de um vírus poderosíssimo, o prédio onde decorre a tal reportagem acaba isolado. No seu interior, os habitantes do prédio, a polícia e os bombeiros, mais os jornalistas que filmam o sucedido, lutam pela sobrevivência. No caso dos últimos, a preocupação pela sobrevivência não se descola da necessidade de registar em vídeo tudo o que ali se passa. Gravar tudo, parece ser a principal preocupação. Mesmo depois de transformada em vítima da sua curiosidade, aquela equipa não desiste de registar em vídeo os acontecimentos alucinantes e inexplicáveis daquela noite. Não direi como terminará esta aventura, mas sugiro que não a percam numa sala de cinema.

1 Comments:

At 11:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

e num registo oposto, o do hiper-realismo, La Soledad de Jaime Rosales arrebatou o prémio Goya a El Orfanato, apontado como favrito, e muito bem. já em 2007 fiquei surpreendido com Un Franco 14 Pesetas, para mim um dos melhores filmes do ano. de facto o cinema espanhol está a dar que falar.

 

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