22.7.08

YOU'RE NOT HUMAN TONIGHT


Depois de Psykitsch Kaleidoscope (2004), os The Great Lesbian Show regressam com You’re Not Human Tonight (2008). Pode parecer pouco para uma banda com dezasseis anos, mas, em ambos os casos, é muito bom. Se no primeiro álbum tivemos o prazer de reencontrar canções rodadas e batidas nos palcos incendiados pelo show lésbico da banda de algures, neste segundo registo o efeito novidade é uma constante. A postura provocadora e “fracturante” começa na capa, prolonga-se na contracapa e respira nos catorze temas reunidos nesta colectânea. You’re Not Human Tonight abre com um conto de fadas para adultos, uma história de agitar os músculos e, com a ajuda de programações, abalançar o corpo numa dança frenética que se prolongará pelos temas subsequentes. Há diálogos hilariantes entre guitarras funky e ritmos ska, linhas de baixo cativantes, um irresistível apelo para um universo irónico duchampiano que consegue fazer evoluir guitarras em distorção no sentido de uma bossa nova amena. É o mapa surreal da contracapa, Alcobaça entre San José e Lourenço Marques, com o Bairro Alto mergulhado num afluente do Amazonas, o Ribatejo ao lado de Chicago e Fátima elevada a capital de distrito. Em tempos de globalização, não há fronteiras a delimitarem os territórios da música. O território da música é transfronteiriço, pode fazer namorar o western com precursões diversas, frases de samba com influências cinematográficas, o chamado surf rock com o poder sónico de Let’s merrily crush them and celebrate our victory over cheap wine, loose women and willing men. Grande título! E preparem-se: O Lavrador d’Almas, cantado na língua de Camões, é uma magnífica “sátira” às tradições clericais portuguesas, tocada à moda de um tradicional luso em registo xamânico. Confusos? Ouçam que logo “ouverão”. Mas não é tudo. Há ainda espaço para mais contos de fadas grotescos, poesia sonora à maneira de um Décio Pignatari, melodias à base de zunidos de mosquitos, experiências com a chanson française, pozinhos de Gainsbourg e um enérgico instrumental onde se faz política do apolítico: Cowmunism. Fecha este tomo com uma incursão pelo drum’n’bass numa remistura de Arapahoa, tema do primeiro disco. Agora vou ali ao Samouco, que fica entre o Parque Mayer e Cannes, passear os delírios como quem dança alucinadamente ao som das pistolas de John Wayne.

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