DESAPARECIDOS
Um bloguista que acompanhei atentamente durante os primeiros anos de blogaria. Perdi-lhe o rastro, para recentemente, através do Carlos Miguel Fernandes, ficar a saber da triste notícia. Chamava-se Pedro Ornelas (1960-2008), era autor d’O Céu Sobre Lisboa. O segundo post do Insónia tentava, sem arte nem engenho, parafrasear-lhe o estilo.
Um poeta que tive o prazer de ouvir dizer poesia lá para os lados d’A Barraca. Escrevi um pequeno texto sobre o seu último livro, demasiado pequeno para o que o poeta merecia. Dizem-me que viveu tudo o que havia para viver. Sem estar certo do que isso possa significar, fico contente por sabê-lo. Chamava-se Joaquim Castro Caldas (1956-2008) e escrevia assim:
ÓDIOVISUAL
uma vez fui à merda
voluntariamente
o que não é bem o mesmo
que me terem lá mandado
fui à boleia por uma autoestrada
que me liga o mero músculo à alma
para que nada me subisse à cabeça
antes de passar pela sensibilidade
só peguei no cosmos na pasta de dentes
num frasco com o cordão umbilical
para ter sempre à mão raízes
pousei o coração como uma mochila aberta
nunca um dedo espetado foi tão revolucionário
acabei por ir de carroça e burro
mas atravessei meio mundo
pelo caminho fui violado por um jovem polícia
num desses países onde se esquecem de nós para sempre
fui lava pratos num desses países onde já não há gente
para comer seja o que for ou morrer à fome
fui sopeira iluminada numa casa de passe
de um desses países onde ninguém fode
fui jardineiro de um cemitério importante
onde só vai parar quem já nem morre
mas também me apareceu um anjo ao cair da noite
um sábio disse que o meu amor era inocente e forte
um profeta falou da minha vida como se falasse da morte
quando cheguei à merda estavam todos à minha espera
acabei por não entrar achei que não valia a pena
o que não é bem a mesma coisa que o porteiro da merda
me ter impedido de entrar ou fazer concluir à força
que eu já conhecia aquela merda de algum lado.
Joaquim Castro Caldas, Convém Avisar os Ingleses, Quasi Edições, Março de 2002.
Um poeta que tive o prazer de ouvir dizer poesia lá para os lados d’A Barraca. Escrevi um pequeno texto sobre o seu último livro, demasiado pequeno para o que o poeta merecia. Dizem-me que viveu tudo o que havia para viver. Sem estar certo do que isso possa significar, fico contente por sabê-lo. Chamava-se Joaquim Castro Caldas (1956-2008) e escrevia assim:
ÓDIOVISUAL
uma vez fui à merda
voluntariamente
o que não é bem o mesmo
que me terem lá mandado
fui à boleia por uma autoestrada
que me liga o mero músculo à alma
para que nada me subisse à cabeça
antes de passar pela sensibilidade
só peguei no cosmos na pasta de dentes
num frasco com o cordão umbilical
para ter sempre à mão raízes
pousei o coração como uma mochila aberta
nunca um dedo espetado foi tão revolucionário
acabei por ir de carroça e burro
mas atravessei meio mundo
pelo caminho fui violado por um jovem polícia
num desses países onde se esquecem de nós para sempre
fui lava pratos num desses países onde já não há gente
para comer seja o que for ou morrer à fome
fui sopeira iluminada numa casa de passe
de um desses países onde ninguém fode
fui jardineiro de um cemitério importante
onde só vai parar quem já nem morre
mas também me apareceu um anjo ao cair da noite
um sábio disse que o meu amor era inocente e forte
um profeta falou da minha vida como se falasse da morte
quando cheguei à merda estavam todos à minha espera
acabei por não entrar achei que não valia a pena
o que não é bem a mesma coisa que o porteiro da merda
me ter impedido de entrar ou fazer concluir à força
que eu já conhecia aquela merda de algum lado.
Joaquim Castro Caldas, Convém Avisar os Ingleses, Quasi Edições, Março de 2002.
Adenda: a Maria João lembra também o desaparecimento de António Aragão (1924-2008), autor do poema visual que reproduzimos acima. O poema intitula-se “Energia” (1976) e nós copiámo-lo da “Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80”, org. Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro, Angelus Novus, 2004.
4 Comments:
Desapareceu também o António Aragão
http://seg2.blogspot.com/2008/08/antonio-arago-1924-2008.html
Ao ler os primeiros versos do poema, não pude deixar de me lembrar de uma frase q li também hoje, do Cardoso Pires: "Porque, instruído que fui nos ferozes regimentos de uma língua a vários títulos solene e paramentada, ainda assim me entendo na do geral quotidiano
e por isso digo merda sem ser pelo prontuário
e violo, sempre que posso, a Alma Mater, essa flor carnívora, pintelhuda;"
tenho esse livro do Joaquim CC... e era esse mesmo poema que eu reproduziria
Prezados INSÓNIA
Na verdade o texto visual "Energia" que reproduzem como sendo da autoria de António Aragão, pertence ao autor António Barros, obra aqui reproduzida que integra a coleção da Fundação Serralves | Museu de Arte Contemporânea do Porto.
Para saber mais sobre a obra deste autor >
http://barrosantónio.wordpress.com/
http://wahtiswatt.org/
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