ENVELHECER
Num artigo que publiquei no número 4 da revista Callema, subordinado ao tema “Reescrever a Juventude, Aquela e Agora”, não foi por acaso que comecei por falar de “um jovem nascido há praticamente 100 anos, um jovem cineasta ainda no activo”, de seu nome Manoel de Oliveira. Fi-lo não por concordar com a ideia feita de que a juventude está no espírito e na atitude, como se alguma coisa fosse possível para lá do corpo, mas por estar convencido de que a oposição da juventude à velhice é geralmente enganadora. Quando recentemente se falava de novíssimos poetas portugueses, também não resisti a comentar com um amigo que os novíssimos, por vezes, parecem bastante velhos. Aliás, basta olhar para os jotinhas que ambicionam fazer carreira política. Não obstante, a velhice está na passagem do tempo pelo corpo. Se olharmos apenas para o aspecto físico, dizemos que determinada pessoa tem esta ou aquela idade com um grau de falibilidade reduzido. Mas se não tivermos o aspecto físico à mão dos olhos, por exemplo no que lemos nos weblogs, em mensagens trocadas pela Internet, etc., a possibilidade de falharmos a idade de alguém aumenta vertiginosamente. Comigo acontece invariavelmente julgarem-me mais velho. Mas por que sucede tal fenómeno? Talvez por termos ideias preconceituosas quanto ao tipo de discurso que se adequa a esta ou àquela idade. São esses mesmos preconceitos que nos levam a dizer que este indivíduo, apesar dos seus 100 anos, tem um “espírito” jovem. Mas não pode esse espírito, no sentido de inteligência, engenho, atitude, ser considerado próprio da velhice? Claro que pode. Pensei nisto quando vi recentemente o editor Vítor Silva Tavares e o poeta Alberto Pimenta no Câmara Clara. É próprio da velhice ter mais anos, o que significa apenas ter vivido mais; as expectativas que se criam quanto à experiência vivida podem muitas vezes sair defraudadas, mas a verdade é que a idade proporciona saber. Por isso, parece-me fazer todo o sentido esta pergunta: não é muito mais interessante um velho ou velha luminoso e sábio que um jovem azeiteiro e trinca-espinhas que só parasita o mundo? Claro que sim. Embora a inversa também seja válida. Isto é, um jovem luminoso e inteligente será sempre mais interessante que um velho labrego e parasita. Embora isto dependa muito dos interesses de cada um. Contudo, onde pretendo chegar é à dificuldade do convívio com a erosão física. O nosso mundo vive demasiado, e isso não é de hoje, da imagem, do culto do corpo, da capacidade de dar resposta física às exigências do olhar. Quem faz do corpo profissão viverá de forma muito mais acentuada a angústia da degradação, da ruína, do envelhecimento físico. Daí as plásticas, os tratamentos, as limpezas, os implantes, por vezes com resultados macabros. No tempo de Machado de Assis, uma rapariga da minha idade – tenho 33 anos – dizia-se velha. A velhice é um estado bonito, li numa caixa de comentários. Bem, eu não vi beleza alguma nos lares de idosos que visitei até hoje. E não me refiro às condições dos lares. Refiro-me ao estado de vulnerabilidade que ataca a grande maioria das pessoas idosas, refiro-me ao convívio permanente com a doença, refiro-me às algálias, às fraldas, à baba, aos tremores, ao cansaço, aos corpos entrevados e caquécticos, refiro-me a tudo aquilo que se opõe a uma vida feliz tal como a entendo, uma vida hedonista no sentido mais puro do termo. Mas nada de confusões. Não é a velhice ou a juventude que são belas em si, é o que possa haver de belo na velhice e na juventude. A velhice não é nem deixa de ser um estado belo. Ela é bela quando significa sabedoria e serenidade, quando nos ensina uma forma de convivência com o tempo que está para lá das urgências ridículas com que vamos ocupando as horas quotidianas, quando ainda nos permite viver. Claro está que estes ensinamentos podem ser adoptados e praticados na juventude. São eles que conferem beleza, não às idades, mas às pessoas. Porque tudo depende das pessoas, na medida em que estas possam e saibam não estar dependentes da idade. As senhoras das imagens são, de baixo para cima, Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor e Sophia Loren. Perdoem-me as leitoras por ter preferido senhoras a senhores.
7 Comments:
"Não é a velhice ou a juventude que são belas em si, é o que possa haver de belo na velhice e na juventude. A velhice não é nem deixa de ser um estado belo. Ela é bela quando significa sabedoria e serenidade, quando nos ensina uma forma de convivência com o tempo que está para lá das urgências ridículas com que vamos ocupando as horas quotidianas, quando ainda nos permite viver."
A serenidade pode conter urgências quotidianas. No envelhecer, sentir essas urgências é o que nos permite encarar a rotina do dia a dia. E, sermos velhos amáveis
ah, gostei tanto deste comentário da ana, principalmente após um jantar em que se dizia que os homens envelhecem bem e que as mulheres perdem a estética. fosse a vida e a sabedoria só isso e seria tão fácil manter a frescura do coração e do crãnio.porém, há o resto
Se a Ana me pudesse explicar melhor o que pretende dizer com «a serenidade pode conter urgências quotidianas», ficar-lhe-ia muito grato. Embora já esteja, a ambas, pelos comentários.
Henrique,
Uma vez que fui citada, permito-me achar que a possível inversão dos termos, só numa das partes terá pertinência:
É constatável e de todo o direito, que os velhos, que já deram o litro e perderam a pujança física, "parasitem" (e bem pouco o fazem com as suas magras reformas) a chamada Segurança Social e outros apoios. E também é legítimo e desejável que sejam magrizelas, para não cederem ao AVC, diabetes ou a outras maravilhas.Isto é diferente de ser finguelas da ganza, da para/anorexia/top-model ou de outros paradigmas da juvenília.
Jovens "luminosos e sábios" é terrivelmente difícil de encontrar. Luminosos, dependendo do tipo de luz que se busca, ainda vá lá! Mas, simultaneamente sábios,...é dubitativo. Parece que o último, nasceu lá para Israel, há mais de 2000 anos.
Também aduzo que, o conceito de "beleza" está, desde o século passado, em acelerada modificação. E há bastante discussão a esse respeito. É uma "categoria" (o belo) muito mais da nossa percepção individual, do que de outra coisa.
Acaba por ser um "universal" generalista que raramente utilizo, devido à sua completa refatividade redutora.
Bom tempo de Outono.
I.
Esquecia-me de dizer que os "parasitas", descontaram dos seus salários, para a "choruda" reforma, ao longo da chamada "vida (?)contribuitiva".
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique, tomo as urgências do quotidiano como os arrepios dos entusiasmos que o conhecimento de outros me fazem sentir. Às vezes um pouco tolos, outras vezes com um vontade enorme de avançar. Nós (os da minha idade)que, admitimos estar a envelhecer contemos os gestos, por pudor, - será o que tu chamas serenidade? mas não sabes o que nos vai à flor da pele...
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