10.11.08

O POCHLOST

É bem provável que seja pochlost responder ao desafio colocado pelo Lourenço não fazendo a mínima ideia do que seja pochlost. Antes de mais, a palavra parece-me feia. Tento pronunciá-la de várias maneiras e soa-me sempre mal. O som que as palavras produzem quando pronunciadas é muito importante na relação que mantemos com elas. Dessa relação nasce toda uma cadeia de sentidos e de associações, mais ou menos agradáveis, que resultam no significado da própria palavra. Talvez este raciocínio seja pochlost. Correndo o risco de a possibilidade se verificar verdadeira, socorro-me do que entendi da definição devida a Nabokov. Cito: O pochlost é essencialmente viscoso e maligno quando o falso não é evidente e quando se considera que os valores que mina pertencem ao mais elevado nível da arte, do pensamento ou da emoção. (…) O pochlost não é apenas o que é obviamente fancaria mas também o que é falsamente importante, o falsamente belo, o falsamente inteligente, o falsamente atraente. Recordo-me de um conceito muito estudado pela psicossociologia: o conceito de estereótipo, o qual se distingue do preconceito por fazer estender a todo um grupo uma característica de um dos elementos do grupo. Desconfio que pochlost possa ser a ponte que liga o preconceito ao estereótipo, mas uma ponte culta, adornada, uma espécie de viaduto em condomínio fechado, aquele tipo de ponte apenas frequentada pelas pessoas que o Pedro Mexia gosta de apelidar de sofisticadas (no fundo, pessoas como o próprio Pedro Mexia ou os seus ex-companheiros do DN Jovem). Haverá pontes assim? Não sei. Mas sei que, valha-nos isso, há sempre à mão de semear um Filipe Guerra versado em pochlost. Não hesita em chutar exemplos, a partir do que aprendeu com Tchékhov (neste preciso momento, estranho agradarem-me tanto os nomes dos escritores russos e tão pouco esse inestético conceito pochlost): Pochlost é kitsch+pimba+Hermann José dos últimos tempos com o seu cabelo amarelo, o seu lacaísmo palavroso e o seu vazio+pato-bravo+Paulo Coelho+Pútin a apertar a mão a Paulo Coelho no Kremlin+as tias de Cascais+a ópera Zon é mobile+Catarina Furtado+as festas sic e vip+o novo-rico russo que mete o cirílico na gaveta quando entra num hotel de luxo de Moscovo+quase tudo aquilo com que a caixa louca nos atordoa+os vendedores de produtos literários e culturais+a conversa oca e pesporrente do especialista nisto ou naquilo… Como se não nos bastasse a pochlost, Filipe Guerra junta-lhe o (a?) pochliak. Parece que é a versão javarda da primeira, o que, diga-se de passagem, soa-me bem mais agradável. Mas agora só tenho pochetes e mochilas na cabeça, o Herberto Helder não me deixa descansado com o seu descanso, recebo convites para tudo e para mais alguma coisa porque nos blogs é que se escreve bem e eu tenho um blog que não dorme e no blog passo a vida a enxotar moscas, li a entrevista que o MEC deu à Ler e só me interessei verdadeiramente pela parte em que se fala de cocaína, cigarrilhas e uísque à bruta, fica bem a um intelectual o rímel da decadência, não fica bem à Alexandra Solnado estampar-se com rasgados decotes na contracapa das conversas que vai mantendo com aquele que veio ao mundo para nos salvar do mundo que o próprio criou, Deus está morto e eu estou vivo, é bem feita, a minha caixa de correio postal extravasa anúncios publicitários por todos os buracos e a culpa não é do Paulo Coelho nem do Osho nem da Nora Roberts nem do Sai Baba nem do Augusto Cury nem daquela romancista italiana com nome de gelado gourmet… Alto lá! Descobri-lhe a careca. O pochlost dos nossos tempos veste a medida do gourmet, só come tremoços quando diz que o último Saramago é o melhor desde que ganhou o Prémio Nobel e o mais recente Lobo Antunes uma pirâmide invertida. Gourmet justifica o preço, não garante a qualidade. Ao gregório tanto vais com um Dão de três dígitos como com um martelado do Cartaxo. Subitamente, ouço ligeiros ecos do pochliak. Independentemente do que os desuna, quero aqui contar um episódio que me sucedeu ontem. Por sincera falta de tempo para o gourmet, fui ao McDonald's desenrascar um McNuggets para a Matilde enquanto o Rochemback tentava emagrecer em sprint atrás de um indivíduo chamado Hulk. Há duas maneiras de entrar de carro no McDonald's de Caldas da Rainha, por uma rua cujo nome me escapa ou por uma das 1000000000 pochliak rotundas que embelezam a cidade. Mas só há uma maneira de sair, isto é, pela tal rua. Enquanto eu entrava pela rotunda, um porco miserável vinha a sair pelo que era suposto ser apenas entrada. Fiz-lhe um sinal e apontei para o sentido proibido. O porco miserável cheirava tão a porco que atravessou-se-me, abriu o vidro e perguntou-me o que eu lhe queria. Respondi-lhe que queria dizer-lhe que era proibido sair por ali. Lá do lugar do pendura, uma porca miserável com madeixas louras no cabelo dourado gritava com uma voz de peixeira disfarçada de tia: vai chamar a polícia, vai chamar a polícia. Fiquei atónito a olhar para aquele casal de porcos mal cheirosos que não respeitavam um sinal de trânsito e ainda por cima insultavam quem o respeitava. Olhando o meu olhar de parvo, o porco rosnou: vai, vai, vai… vai beijar o cu à tua mãe. A imagem pareceu-me tão hilariante que desatei a rir e o casal de porcos arrancou. Servi-me do McNuggets e fui à vida. Qual não é o meu espanto - exagero ligeiramente, pois já nada me espanta e esta expressão é radicalmente pochlost - , quando vejo o tal casal de porcos parado na rotunda, muito provavelmente apenas para observarem se eu cometia a mesma infracção que eles haviam cometido. Digo muito provavelmente porque assim que me viram a sair pelo local correcto, puseram-se a andar. Ora bem: não percebendo nada de pochlost nem de pochliak, estou em crer que esta atitude de justificarmos as nossas falhas com as ansiadas e supostas falhas dos outros, aquelas que serviriam para nos desresponsabilizarmos tanto quanto tendemos a culpar o mundo à nossa volta por tudo quanto está ou julgamos estar mal, é o mais pochlost/pochliak que encontramos nos portugueses. Para mal dos nossos pecados, este tipo de gestos toca tanto aos gourmet como aos tremoço. Os meios, sejam eles literários, artísticos, políticos, etc. e tal, tresandam deste pochlost/pochliak. O que é óptimo para a Fátima Campos Ferreira, pois assim nunca lhe falta tempo para o mais frustrantemente anódino dos programas televisivos. Este texto também não escapa ao pochshhphfwehbfwliak, mas a culpa foi de um casal de porcos.

7 Comments:

At 9:03 da manhã, Blogger flôr de sal said...

o som que a palavra indelével produz quando a pronuncio, não me deixa marca.

 
At 9:29 da manhã, Blogger L. said...

o problema é que a ncaionalização do pochlost já levanta ciúmes a muita gente.

 
At 10:04 da manhã, Anonymous Anónimo said...

sem me querer armar em caramelo, o som é esdrúxulo e soa como "pâchlost". É feminino.

 
At 12:46 da tarde, Blogger MJLF said...

que raio de palavra que dá para associar a um casal de porcos - esses animais também se reproduzem como os coelhos?
:)
Maria João

 
At 3:06 da tarde, Blogger jp said...

Que mal fizeram os porcos? Animal simpático, olha o porquinho Babe.
Agora vou mas é trabalhar pó poch-lost (sonho perdido), assim até fica, sei lá, pochlost.

 
At 5:23 da tarde, Blogger Artur Corvelo said...

na enciclopédia britânica, pochlost aparece definido como "já é tempo de leres o que te mandei, meu mequetrefe". Ele há cada coisa mais desagradável da parte destes bifes.

 
At 6:48 da tarde, Blogger hmbf said...

Esparsa, "indelével" é uma palavra idnelével.

L., a nacionalização do "pochlost" ainda vai dar um Prós & Contras.

Anónimo, és um(a) grande caramelo/a.

Etanol, diz que demoram mais tempo a partilhar o doce leite do amor.

NP, os porcos triunfaram.

Ente Lectual, prometo que sem falta um destes dias.

 

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