15.1.06

Caro Sérgio,

Há muitas razões, bem diferentes umas das outras, que levam a malta da nossa geração a votar no Cavaco. Eu também andei nas manifestações anti-PGA, cheguei mesmo a comer com um bastão nas fuças, à porta do ministério, e até apareci em fotografia no jornal Expresso, de bocarra aberta e punho em riste, invectivando contra os homens dos bastões. Nunca tive partido, mas aderi, estupidamente, à JS numa terra conhecida por correr com os comunistas à mocada. Foi coisa de meses, até me ter apercebido que o grupelho só servia para cozinhar futuros a quem neles estava empenhado. Tornei-me então, tal como tu, um indefectível individualista. A minha literatura foi mais anarquista do que socialista, comunista ou coisa que o valha. Trago alguns existencialistas no sangue, libertinos todos, de direita e de esquerda (olha o Céline ali a piscar-me o olho), mas sobretudo trago uma mania terrível de não me deixar pensar pela cabeça dos outros. As pessoas votam em quem querem, claro. Isto é bonito e divertido é com muita diferença, bílis à mistura se necessário for, divergência e conflituosidade. Nunca fui de confrarias e abomino todos os tipos de consensos bem ou mal intencionados. Os consensos impedem o progresso. Mas é bom que haja de tudo. Sobretudo é bom que haja quem seja pelos consensos, quem, ao contrário de nós, ceda facilmente. É dessa diversidade que não nos podemos dar ao luxo de prescindir. Seria por isso importante não esquecermos que a malta da nossa geração já anda pelos ministérios, tem chegado com a maior das facilidades às assembleias. Repara, alguns tiveram o primeiro emprego na igreja da república. Fizeram os seus percursos nas jotas, não sabem fazer outra coisa que não seja submeterem-se às intenções da corporação. Pelo menos, ansiemos por eles. Que o façam como deve de ser. Caro Sérgio, há muitas razões para que a malta da nossa geração vá votar Cavaco. Razões como as que têm empurrado da esquerda para a direita (quase sempre assim nesta direcção) pessoas que asseveram não fazer outra coisa que não seja pensar pela sua própria cabeça. Todos pensamos pela nossa própria cabeça. Ao serviço de quê e de quem é que pode divergir. É claro que os que vão votar no Cavaco vêem nele em potência um bom PR. Nem passa pela cabeça pôr isso em causa a quem nisso crê. Questão de fé? Questão de princípios? Questão de razão? O que for. Não me passa pela cabeça pôr isso em causa. Os outros, como nós, não concebem para um país de cinzentos um PR cinzento, para um país de tecnocratas um PR tecnocrata, para um país de iletrados um PR iletrado… No fundo, o homem que muito provavelmente nos vai representar é o melhor espelho do país. É bom que lá fora fiquem mesmo a saber que ainda somos um país de xailes negros e costumes conservados. Um país sinistro, com um PR sinistro que não debate, não olha nos olhos, não duvida mas se incomoda com as dúvidas dos outros. Um PR que despreza os jornalistas que agora o levam ao colo. É bom que fiquem todos a saber que cada país tem os políticos que merece. Merecemos nós melhor que Cavaco? Que temos feito nós para merecer mais que Cavaco? Desta vez, só para descargo de consciência, vou votar. Mas, na verdade, acho mesmo que não mereço melhor que Cavaco. Saúde,

5 Comments:

At 1:41 da tarde, Blogger Rui Pedro said...

O peso da premonição sombria, o peso do pior dos mundos que nos assalta ao acordar, às vezes, não devem ser temperados com qualquer outra coisa?

Votar num candidato presidencial que nos lembra o pior cinzentismo, a indiferença pela leitura ou pelo vinho (!) (vinha no Fugas-Público de sábado!), e votar nele por causa desses factores, parece que é dar corpo a uma má premonição. Que o voto seja inspirado pela esperança positiva!

 
At 8:08 da tarde, Blogger jm said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 8:10 da tarde, Blogger jm said...

por cada pedra da calçada que não atirei.

na minha choldra não irei, julgo, falar desta eleição. não tenho suficiente alcance para dar significado às minhas palavras.

as tuas palavras, penso percebê-las, pelo seu sentido de relativização, entre falar do que somos, enquanto individuos, e de como nos vêem, enquanto parte de uma sociedade, há que fomentar a discussão.

ser advogado do diabo, quando o que temos é um povo não politizado, é o que nos sobra de ironia.

somos incapazes de demonstrar o que pretendemos. não precisamos que nos entendam a alquimia de que fomos feitos.

(não estou a dizer nada :( )

falamos, escrevemos, mas a maiorira não ouve, não se apercebe. não quer entender.

o ciclo não se está a fechar. vai ainda a meio do seu desenho.

o cinzentismo só é ismo agora... depois (ainda falta algum tempo) há-de ser mais concreto... e a revolução nunca será verdade, não chegou a ser.

 
At 8:20 da tarde, Blogger hmbf said...

sábias palavras
jm

 
At 3:55 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Assistindo, algo distrída, ao programa televisivo "Prós e Cobtras", onde se discutia a verdadeira (?) identidade nacional, ouvi um dos participantes dizer:
"Devemos escolher o PR como uma pessoa a quem pudessemos confiar a educação de um filho ou a gerência de uma fortuna"...
ENTÃO VOCÊS JÁ VIRAM O VOSSO FILHO EDUCADO PELO SINISTRO CAVACO OU A VOSSA FORTUNA TRANSFORMADA EM OBRAS DE FACHADA?
BRRR.....BRRR...BRRR....

Não me conformo ao ver senhoras ignorantes e avacalhadas a chamarem rei àquilo!!!Nas ruas do meu, também, país!
I.

 

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