18.10.07

NINGUÉM DÁ NADA A NINGUÉM

Ultimamente tenho escutado muito a expressão «ninguém dá nada a ninguém». Normalmente a expressão vem precedida de um «isto» que pode querer dizer muita coisa, assim como pode querer dizer coisa nenhuma. Mas o «isto ninguém dá nada a ninguém» tem muito que se lhe diga. Desde logo é uma expressão infeliz, porque se ninguém dá nada a ninguém então está a dar algo de muito valioso. Todos sabemos que o nada está pela hora da morte, o nada sai caro, o nada não é nada barato, o nada está ao preço do ouro. Quem quiser o nada, que lute por ele. Muito altruísta é o ninguém que se farta de dar nada a ninguém. Borlas destas não são para todos. A agravar a infelicidade da expressão, o facto de as pessoas a proferirem como uma espécie de máxima para a vida, um axioma, uma verdade insofismável à qual chegaram, julgam, por serem dotadas de uma extraordinária sabedoria. Ora, no mundo em que vivemos ninguém dar nada a ninguém é um dado adquirido. Nada há de extraordinário em ninguém dar nada a ninguém, muito menos em sabermos isso. Quando alguém me propõe um negócio, não é suposto que perca com o negócio. Seria estúpido. Negociar é chegar a um acordo que seja o mais vantajoso possível para todas as partes implicadas. Mas há quem não pense assim, achando que, para ficar bem num negócio, aquele com quem negoceia tem de ficar mal. Isto é muito português. Sabemos que os portugueses são historicamente aptos para este tipo de negociatas. Normalmente dão-se mal. Convencem-se de que o mal dos outros é um benefício próprio, ficam a olhar a miséria dos outros na esperança de atenuarem a desgraça em que vivem, justificam os seus males com males ainda maiores, pelo que, para se sentirem vitoriosos, necessitam sentir a derrota dos outros. Eu só faço um bom negócio, pensa o português, quando aquele com quem negoceio é, digamos assim, enrabado pela minha douta arte de negociar, quando é papado, enganado, burlado. Terrível povo que assim pensa. Esquece-se de que, tal como ele, os outros também têm contas para pagar, também precisam de comer, também têm filhos, também vão ao médico. Toda a gente sabe que ir ao médico está pela hora da morte. Tal como o nada. Ou coisa que o valha.

2 Comments:

At 10:26 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Tens razão!
j.r

 
At 12:23 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Infelizmente há muita malta a praticar negociatas o tempo todo contra os outros e ainda sairem a gabar-se de tais feitos.
Em compensação, há a mesma quantidade de malta, ou maior, que se porta corretamente não só em negociatas como em todas as atividades.
Também é pena que estes últimos sofram a desconfiança dos outros quando estão a agir pura e simplesmente honestissimamente.
Acabam por vingarem-se em pessoas erradas, sem nem sequer pararem para compreender a situação.

 

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