15.2.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #12

DE TRELA PARA A CELA



Atravesso os dias esquecendo
o passado dos dias, passando
este dia contando os dias
que faltam para a minha sombra
atravessar o portão de ferro.

Há dias muito tristes. Lavo a solidão,
passo a ferro e dobro em quatro
antes de a guardar na gaveta
da madrugada e nada mais para contar.

Não sei se quero voar, não sei
se quero ficar, não sei nada.
Este corpo apodrece no tudo
o que escrevo e rasgo para ninguém
chorar. Já nem quero receber visitas
e só falta evaporar-me no canto
da coruja que habita a sombra
das grades a esborrachar-me
o desespero.

O meu companheiro de cela passa
inerte pelas tardes olhando o tecto,
assistindo ao envelhecimento dos sonhos
e a tosse é um pequeno trovão a romper
o silêncio do tédio amealhado.

Um miau de gato roçou as grades
da janela depois dum azar beliscar-me
o ombro com convite para
uma punheta trocada num sorriso
predador. Poderia dizer-te que
entre quatro paredes o mundo chega
e o mundo parte, mas é mentira.
As paredes estão cá. A prova
é o sangue escorrendo na memória
da semana passada ter tentado
matar uma ideia de fuga
contra o branco e o cimento.

Já nem tenho uma indignação
para partilhar contigo. Estou arrumado
como um rinoceronte a sangrar
num canto da selva cálida.

Aqui temos a mesma profissão:
ourives da solidão. Escuta e conta
os salpicos da madrugada a caírem
no charco do vazio. Vê se assim
adormeces antes das lágrimas
acordarem a crua e negra noite
sempre bêbada de tão moribunda.

Nem o sonho obrigatório
de se voar um dia daqui, é maior
que o obrigatório cumprimento
das regras de coabitação entre
os que cospem e os que aguentam
o cuspo no rosto. Entre eles, passa
simplesmente uma nuvem negra
puxando por um cordel uma lua cega.

Não posso pregar um calendário
com um homem nu na parede,
nem pedir um livro com palavras
que me denunciem aos guardas,
e aos bufos comerciantes.

A verdade é que o olhar me dói.
Dói-me a recordação da minha mão
dada à tua. Dói-me o desejo
de sentir o teu odor a morrer
como um sopro nas encostas
do meu corpo. Dói-me as frases
que não posso desembrulhar
nas conversas. Dói-me não poder
velejar para além do real
que me cerca e desaparecer
entre os brilhos dos cristais
do conto a qu’eu ainda não cheguei.
Dói-me o braço, o ante-braço e
a mão, o estar longe de ti
e o nunca mais.

O mundo cá fora é
a minha cela. Aí dentro,
a tua cela é um mundo.

Jorge Aguiar Oliveira

1 Comments:

At 9:20 da tarde, Blogger R. said...

Jorge Aguiar Oliveira: bem hajas!

 

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