Fragmento # 15 – A casa escreve descrevendo-me
A casa escreve descrevendo-me em cada parede amarelecida pelo tempo em cada camada de memória em cada paixão em cada parede de ilusão. A minha casa foi uma conquista ao tempo, a conquistada no tempo e o tempo consome as suas paredes e vai-me consumindo como Cronos devorou seus próprios filhos. Já dormi em todos os quartos da casa, tudo começou assim, apoderei-me dela e ela a pouco e pouco apoderou-se de mim, com as suas paredes cobertas de rastros, preenchidas com os meus artefactos, o chão de madeira, os frisos geométricos junto ao tecto. A casa é um porto de passagem, um local perdido onde se regressa num tempo passado que vejo ao longe no exterior. Sempre que regresso à casa sinto que chego ao casulo fofo e quente, onde estou bem guardada, nos meus papéis e livros amarelos, onde sou passado a flutuar, numa acumulação de objectos estranhos que me olham e falam. Os objectos palram numa linguagem que nem sempre entendo, estão de volta de mim todos os dias, conhecem-me com a palma da mão, e sabem como gosto de os mudar de sítio quando falam de mais, ou dizem o que não quero ouvir dizer.
Nunca sei onde estão as chaves de casa, antes de sair procuro-as sempre, ou estão na cozinha, ou estão na sala, ou no quarto, ou na marquise. As chaves obrigam-me a percorrer todo o espaço antes de sair. A casa diz: tens de ver onde deixas as coisas, se está tudo bem, não sais daqui enquanto não percorreres todo o meu interior, vê lá se não tens lixo para deitar fora. Vai dar uma volta, mas vê lá como é que vais.
Nunca sei onde estão os óculos, se não os deixo no nariz ou ao lado do computador, repete-se o ritual da ronda à casa, à casa de banho, à cozinha, ao quarto, à sala. Perco-me dentro de casa, fumo cigarros, as paredes amarelecem absorvendo o fumo, sinto-me sufocada por estas paredes. A casa esconde-me as coisas, as canetas, os lápis, os cadernos, os sapatos. A casa apoderou-se de mim há muito tempo, ela diz-me: aqui estás bem, podes dormir podes sonhar podes pensar à vontade, as minhas paredes mostram-te o que fazes, os teus gestos, as tuas cores, as texturas, os amigos, a lua, as tuas paisagens na parede, os que passaram por cá deixaram rastros também, estão comigo, vivos ou mortos, os que aqui dormiram. Aqui estás tu e perdes-te aqui dentro, por isso se escondem os objectos, é para acordares, saíres de ti, vai dar uma volta, areja a cabeça, vai ver outras coisas fora das minhas paredes.
Nunca sei onde estão as chaves de casa, antes de sair procuro-as sempre, ou estão na cozinha, ou estão na sala, ou no quarto, ou na marquise. As chaves obrigam-me a percorrer todo o espaço antes de sair. A casa diz: tens de ver onde deixas as coisas, se está tudo bem, não sais daqui enquanto não percorreres todo o meu interior, vê lá se não tens lixo para deitar fora. Vai dar uma volta, mas vê lá como é que vais.
Nunca sei onde estão os óculos, se não os deixo no nariz ou ao lado do computador, repete-se o ritual da ronda à casa, à casa de banho, à cozinha, ao quarto, à sala. Perco-me dentro de casa, fumo cigarros, as paredes amarelecem absorvendo o fumo, sinto-me sufocada por estas paredes. A casa esconde-me as coisas, as canetas, os lápis, os cadernos, os sapatos. A casa apoderou-se de mim há muito tempo, ela diz-me: aqui estás bem, podes dormir podes sonhar podes pensar à vontade, as minhas paredes mostram-te o que fazes, os teus gestos, as tuas cores, as texturas, os amigos, a lua, as tuas paisagens na parede, os que passaram por cá deixaram rastros também, estão comigo, vivos ou mortos, os que aqui dormiram. Aqui estás tu e perdes-te aqui dentro, por isso se escondem os objectos, é para acordares, saíres de ti, vai dar uma volta, areja a cabeça, vai ver outras coisas fora das minhas paredes.
Maria João
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