7.10.05

Normalmente lavo as mãos antes e depois de escrever mesmo que sejam coisas porcas # 6

eu tenho um olho torto que é o que escreve.
o que está quieto
só vê.

Robes Rosa

Poesia que despreza o convencional, rejeita paradigmas e assume convictamente a afirmação da sua singularidade, não admira que tenha sido condenada à penumbra pelos habituais tentáculos da crítica mais instalada. Por se construir na experiência individual de um quotidiano vivido à lupa, a poesia de Nuno Moura sintetiza o próprio autor (mesmo quando este se desdobra em múltiplos pseudónimos ocasionais), demarcando-se assim das suas referências naturais pela aglutinação de certos processos com acento no prazer do jogo formal e linguístico. Contudo, o (até à data) último dos seus livros publicados introduz uma série de inflexões que não são de descurar. Dos livros anteriores, Calendário das dificuldades diárias mantém apenas «um saudável desprezo pelo “cânone”». (Eduardo Pitta) Quanto ao resto: o verso dá lugar à prosa, as palavras inventadas quase que desaparecem, a linguagem torna-se mais árida, o sarcasmo é substituído pela auto-ironia, resvalando para um quase confessionalismo, expurgação, uma espécie de desencanto ao mesmo tempo risível e dramático: «Eu não tenho mais as estúpidas condições de olhar o futuro, mesmo que neste guardanapo esteja escrito bom apetite.» (In Calendário das dificuldades diárias, p. 24) Obra em cadenciada (re)consturção, a poiética de Nuno Moura corporiza essa noção da poesia como «alucinação das imagens pelas palavras». (Fernando Guerreiro) De poetas que escrevem poesia para aprender gramática, só podemos esperar o melhor. E com eles aprender a respirar sem outra intenção que não seja essa mesma: respirar.

(errata 5)

dar um preço
a cada poema.

numa saída de fábrica
trocá-los por olhares sem tempo.

Alexandre Singleton