5.10.05

Portugal, país bonito.


Portugal é um país bonito, com uma grande História (tendo em conta a sua dimensão geográfica), com belas paisagens (um pouco destruídas, é certo), uma costa de fazer inveja (a que não está poluída ou arruinada pela especulação imobiliária), uma gastronomia irresistível (salvemo-nos pelo estômago), um folclore riquíssimo (eternamente desprezado). O que estraga, em certa medida, Portugal… é os portugueses. Mas os portugueses não são coisa que se possa generalizar. Ele há portugueses para todos os gostos. Digamos então: o que há nos portugueses que mais estraga Portugal é o culto do ridículo e da esperteza saloia, a inveja e a permanente fuga às responsabilidades, o machismo, a satisfação pelo preconceito, a apatia, uma certa arrogância elitista, expressões como: é o que se pode arranjar ou do mal, o menos ou paciência ou haja saúde! Os portugueses têm paciência a mais. Mas o pior de Portugal, ou melhor, ou pior dos portugueses é a falta de educação e falta de civismo. Sem educação, sem cultura, não há Portugal. Há uma coisa assim-assim. Eu amo Portugal… E, ao contrário do que aqui possa transparecer, gosto muito dos portugueses. Julgo que somos um povo extraordinariamente solidário. Quero dizer, tenho dúvidas quanto a sermos um povo. Na verdade, não somos povo. Somos antes uma coisa por definir. Mas essa condição agrada-me, agrada-me sermos algo por definir. Isso abre-nos grandes perspectivas de futuro. O que eu penso é que deveríamos impacientarmo-nos mais, passarmo-nos mais da cabeça, não nos deixarmos enrabar com tanta modorra como se isso fosse uma fatalidade. Irrita-me esta subserviência dos portugueses à fatalidade, ao inevitável. Exceptuando a morte, nada há que seja inevitável. Devíamos ensinar isso às nossas criancinhas, ensiná-las a darem cabo do inevitável. E da burocracia. A burocracia atrofia completamente o país, está muito relacionada com essa resignação ao inevitável. É o excesso de burocracia que alimenta uma das características mais reconhecidas do que há de português nos portugueses: o chico-espertismo. O chico-espertismo está de tal forma enraizado na cultura portuguesa que se confunde com ela. Os portugueses são, ou têm a mania que são, chico-espertos. Não confundir chico-espertismo apenas com a arte do desenrascando. Aquele é um vírus bem mais pernicioso. No nosso caso português tratar-se-á mais de um gene. Talvez de um vírus transformado num gene. O chico-espertismo implica uma certa vaidade e arrogância. As duas, muitas vezes, andam de mãos dadas. Implica a assunção de que os outros são mais parvos do que nós. Mas não raramente essa assunção provém de uma espécie de consciência recalcada da nossa própria incompetência ou, nalguns casos, desatenção. Isto leva a outro problema. Aquele a que eu costumo chamar a paranóia da culpa. Ainda ontem assisti num programa televisivo a uma manifestação clara de paranóia da culpa. Três comentadores à procura de culpados para a crise no SPC. Julgo que antes de procurarmos culpados, devemos sempre tentar encontrar soluções. Para encontrar soluções não é necessário sabermos quem são os culpados disto ou daquilo. Os portugueses têm, em vários aspectos, uma relação ambivalente com a culpa. Antes de mais, é importante realçar que esse tipo de relação surge como consequência de uma péssima consciência da responsabilidade como condição sem a qual não vale a pena falarmos de liberdade. Por um lado, temos a mania que se algo trágico acontece tem de haver um culpado para que tal possa ter sucedido. Não é bem assim. Muitas vezes confundimos culpa com responsabilidade moral. Esse suposto culpado, quando encontrado, o que é raro e veremos porquê, transportará para toda a vida o estigma da sua culpabilidade. Estigma que lhe é imposto por toda uma sociedade apressada em alienar-se das suas responsabilidades intrínsecas. As causas primeiras de uma tragédia nunca residem somente na acção de um homem isolado, mas em todo um sistema que falhou e, por tal, deve sentir-se responsabilizado. Por outro lado, raramente se encontra esse culpado de que falávamos. Isto deve-se ao facto de que, sabendo do tal estigma, o culpado tudo fará para se apartar de quaisquer tipo de responsabilidades. Mesmo quando, não sendo verdadeiramente culpado, pode ser considerado, de certa forma, responsável moral pelo sucedido. A complexidade destas situações reside mais nos casos em que não há de facto culpados para o que aconteceu. Admiro as pessoas que, corajosamente, enfrentam esses estigmas sociais supracitados, dando a cara por acontecimentos que só muito dificilmente lhes poderiam ser atribuídos. São raríssimos os portugueses que o fazem, pois a grande maioria consegue evadir-se às responsabilidades que são impostas pela consciência. Ou porque não têm essa consciência, ou porque confundem responsabilidade com culpa, ou ainda porque temem que a sociedade os julgue no pressuposto dessa confusão. É essa consciência da responsabilidade que faz muita falta à democracia portuguesa. Desde que a um homem seja dada a possibilidade de defesa, não vejo senão honradez naqueles que se responsabilizam por actos que não causaram mas que sentem, no seu íntimo, lhes estarem associados. Por tais razões, considero que é urgente uma certa dessacralização da culpa, o que não significa de todo desculpabilização. Esta dessacralização consiste na consciência de que nem para tudo o que acontece tem de haver um culpado; mas haverá sempre responsáveis, sob a ressalva de que há uma diferença de grau entre responsabilidade e culpa. Talvez assim demorasse menos tempo a resolução dos problemas, arrastados, por vezes, durante décadas por nunca aparecerem responsáveis, quanto mais culpados. Até porque saber dos culpados não resolve os problemas, apenas ajuda a remediá-los. Ora, para mim não interessa saber quem são os culpados deste Portugal. Sei que é preciso encontrar soluções e que elas passam, antes de mais, por deixarmos de ser indiferentes, passivos e excessivamente pacientes.

9 Comments:

At 1:07 da tarde, Blogger MJLF said...

Estou apaixonada por Portugal, paìs que começou com a briga de uma mãe com um filho (paìs freudiano), com séculos de acontecimentos absurdos, talvez devido ao tamanho do mar que está à nossa frente. Mas a paixão é algo conflitual, é composta por amor e ódio, por vezes sinto ódio pela minha cultura

 
At 3:02 da tarde, Anonymous Anónimo said...

chega de fatalismos e é tempo de atitudes (Mas por vezes canso-me de ser sempre a ovelha ranhosa do livro das reclamações, ser sempre eu a bater o pé e ver-me por isso envolvida em confusões)
não podia concordar mais.

Aurora

 
At 3:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

a parte do chico esperto retrata me.acho que isto nao e chicoespertismo:sou a tua melhor musa!

 
At 4:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

a intenção não foi essa, coisinho. tu és, sem dúvida, a minha melhor musa.

 
At 1:06 da tarde, Blogger Filipe Carmo said...

Excelente texto!
Esta alteração de mentalidades é algo que já por vezes tenho expresso no meu blog, mas de outra forma. A mentalidade fechada e tacanha portuguesa tem levado este país a maus caminhos! A revolução de 74 passou e ficou... as mentalidades mantêm-se... a filosofia de vida... e nada se apreendeu!

A unica esperança é tentar divulgar esta ideia, abrindo os olhos às pessoas, e passa-la aos nossos familiares e descendentes. Um só, afinal pode mudar alguma coisa!

http://ex-sitacoes.blogspot.com

 
At 1:17 da tarde, Blogger hmbf said...

Obrigado BlogMaster.

 
At 6:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

NAO CONHEÇO PORTUGAL,MAS ACREDITO SER UM PAIS MARAVILHOSO COM UM POVO TAMBEM MARAVILHOSO.CADA PAÍS TEM SEU JEITO DE SER E DEVEMOS SIM APROVEITAR PARA CONHECERMOS MELHOR CADA LUGAR E GUARDARMOS QUALQUER COMENTARIO RUIM PARA NOS MESMOS.CADA PESSOA VE CADA LUGAR DE UMA MANEIRA DIFERENTE.UM DIA PRETENDO SIM IR A PORTUGAL E SEI,TENHO CERTEZA DE QUE VOU GOSTAR MUITO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
GEORGEA-BRASIL

 
At 5:45 da tarde, Blogger Marcos Vinicius Gomes said...

Belo texto, senti um pouco de brasilidade, o que não haveria de ser diferente pelos laços históricos que nos unem. Abraços!

 
At 2:13 da manhã, Blogger VIVALEGRIA said...

Muito bom!
Parabéns...Excelente!

 

Enviar um comentário

<< Home