7.11.05

GEÓRGICA

Se gostas de maçãs, colhe maçãs
Do teu próprio pomar.
Guarda republicana há sempre em toda a parte
Onde não temos nada,
E a força é cega por definição.
Ora no teu pomar
Podes serenamente
Gozar o transitório paraíso.
Na pequenina haste
Que um dia tu plantaste
Nasceram frutos túmidos e doces
Que são teus.
Colhe, pois, esses frutos.
Não faças como o Adão e como a Eva, uns brutos
Que comeram maçãs, mas do pomar de Deus.

Miguel Torga
Miguel Torga, nome literário do médico Adolfo Correia Rocha, nasceu a 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta e faleceu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995. Poeta, ensaísta, dramaturgo, romancista e contista, cultivou a escrita autobiográfica num extenso Diário (escrito entre 1932 e 1994) e nos seis Dias de A Criação do Mundo (publicados em 1937, 1938, 1939, 1974 e 1981), obra que o autor viria a definir como "crónica, romance, memorial e testamento". Colaborador da Presença, desligou-se deste movimento em 1930 e fundou as revistas Sinal (um único número em 1930) e Manifesto (1938-1938). Publicou o seu primeiro livro, Ansiedade, em 1928, do qual viria a guardar um único verso na sua Poesia Completa (2000): Sinto o medo do avesso. Individualidade veemente e intransigente, manteve-se afastado, por toda a vida, de escolas literárias e mesmo do contacto com os círculos culturais do meio português. Miguel Torga, tendo como homem a experiência dos sofrimentos da emigração e da vida rural, do contacto com as misérias e com a morte, tornou-se o poeta do mundo rural, das forças telúricas, ancestrais, que animam o instinto humano na sua luta dramática contra as leis que o aprisionam. Contista exímio, romancista, ensaísta, dramaturgo, foi autor de mais de 50 obras publicadas desde os 21 anos.