6.2.06

Cartoons não matam pessoas.

As caricaturas e a reacção às caricaturas, assim como a reacção à reacção às caricaturas, confirma apenas o velho dito de Winston Churchill acerca da democracia: «é a pior de todas as formas de governo, à excepção de todas as outras». Eu, como nunca fui muito ambicioso, congratulo-me com o mal menor. Por quê? Breve e axiomático: o mal menor permite-me ser um bem maior, um mal maior, um bem menor e todas as demais variantes possíveis de formular. Viver numa democracia tem os seus senãos: estarmos sujeitos ao erro que advém do exercício da liberdade é um deles. Só numa sociedade avessa à liberdade não se erra. O erro deve ser, principalmente, um motivo de aperfeiçoamento. Temos que o progresso científico e tecnológico no Ocidente tem-se constituído como a bem aventurança das massas. Se na China Tiananmen adquire uma configuração distinta daquela que está representada no imaginário ocidental, isso só acontece porque na China o advento das tecnologias da informação instalou-se sob o molde de tecnologias da formação. Formação para quê? Para o inferno da ideia única. É da forma como se adestram «a maioria, a populaça, as massas, ou a minoria, os eleitos, a elite» nas “sociedades fechadas”, como outrora foram as do Ocidente, que estamos aqui a falar. Caricaturas não matam pessoas e, por isso mesmo, não devem pôr em cheque a liberdade de expressão. Por mim, que se caricature tudo e de forma bem (a)berrante, pois só assim se fará jus ao mundo em que vivemos. Baudelaire, em obra consagrada à «essência do riso», debruçou-se assim sobre o «género singular» da caricatura: «É uma coisa curiosa e realmente digna de atenção, essa introdução do elemento evanescente do belo nessas mesmas obras destinadas a representar ao homem a sua própria fealdade moral e física! E, coisa não menos misteriosa, esse espectáculo lamentável provoca nele uma hilaridade imortal e incorrigível». Não me admira pois que haja, cá e lá, quem se revolte contra (por sinal bem fraquitas) caricaturas. São os apaniguados do intocável quem mais obstrui a verdadeira democracia, aquela onde a liberdade pode ser exercida/exercitada na mais soberba das suas manifestações: a arte. A caricatura, em circunstâncias normais, é jornalismo à mistura com arte. Mistura explosiva, é certo. Mas ainda assim, deverá ser alvo de restrições? Não. Porque ela é muito mais da arte do que do jornalístico. Ela é o que pode haver de jornalístico na arte. Só onde a arte, a arte livre, desabrocha ao ritmo da licença, da censura, só onde a arte, a arte livre, despoleta ao ritmo da “excomungação”, é que fará sentido reprimi-la. Mais lá do que cá, por aqueles que querem à força das balas, das que matam, impedir-nos o riso, por aqueles que querem à força das balas fazer-nos respeitar o intocável, pode-se compreender o melindre. Por cá, ele é, quanto a mim, incompreensível. Escrevia Popper: «A liberdade política é, pois, uma condição prévia para o pleno e livre uso da razão de todo o indivíduo. No entanto, a liberdade política, por seu turno, só pode ser assegurada através da tradição, através da predisposição tradicional para a defender». É nossa tradição caricaturar. Em suma, julgo que o problema não pode nem deve ser colocado em tom maniqueísta: quem são os bons? Quem são os maus? Mas pode e deve ser pensado em função da nossa predisposição para defendermos a nossa liberdade.

2 Comments:

At 1:05 da manhã, Anonymous Anónimo said...

«Por mim, que se caricature tudo e de forma bem (a)berrante, pois só assim se fará jus ao mundo em que vivemos.»

Nem mais.

 
At 2:15 da tarde, Blogger Luis Damasco said...

Somos pessoas diferentes num mundo que nos quer fazer iguais. Eu acho que este drama é mais uma tentativa de captar alguma atenção conjugada com a necessidade de destruir. Este tema é muito vasto por isso só digo mais isto, gostei muito do seu blog especialmente de sua simplicidade que torna a leitura muito fácil. Eu tenho dois um em português www.amar-ela.blogspot.com e o outro em Inglês www.portugalalive.blogspot.com sobre noticias tugas.

 

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