Cartoons não matam pessoas.
As caricaturas e a reacção às caricaturas, assim como a reacção à reacção às caricaturas, confirma apenas o velho dito de Winston Churchill acerca da democracia: «é a pior de todas as formas de governo, à excepção de todas as outras». Eu, como nunca fui muito ambicioso, congratulo-me com o mal menor. Por quê? Breve e axiomático: o mal menor permite-me ser um bem maior, um mal maior, um bem menor e todas as demais variantes possíveis de formular. Viver numa democracia tem os seus senãos: estarmos sujeitos ao erro que advém do exercício da liberdade é um deles. Só numa sociedade avessa à liberdade não se erra. O erro deve ser, principalmente, um motivo de aperfeiçoamento. Temos que o progresso científico e tecnológico no Ocidente tem-se constituído como a bem aventurança das massas. Se na China Tiananmen adquire uma configuração distinta daquela que está representada no imaginário ocidental, isso só acontece porque na China o advento das tecnologias da informação instalou-se sob o molde de tecnologias da formação. Formação para quê? Para o inferno da ideia única. É da forma como se adestram «a maioria, a populaça, as massas, ou a minoria, os eleitos, a elite» nas “sociedades fechadas”, como outrora foram as do Ocidente, que estamos aqui a falar. Caricaturas não matam pessoas e, por isso mesmo, não devem pôr em cheque a liberdade de expressão. Por mim, que se caricature tudo e de forma bem (a)berrante, pois só assim se fará jus ao mundo em que vivemos. Baudelaire, em obra consagrada à «essência do riso», debruçou-se assim sobre o «género singular» da caricatura: «É uma coisa curiosa e realmente digna de atenção, essa introdução do elemento evanescente do belo nessas mesmas obras destinadas a representar ao homem a sua própria fealdade moral e física! E, coisa não menos misteriosa, esse espectáculo lamentável provoca nele uma hilaridade imortal e incorrigível». Não me admira pois que haja, cá e lá, quem se revolte contra (por sinal bem fraquitas) caricaturas. São os apaniguados do intocável quem mais obstrui a verdadeira democracia, aquela onde a liberdade pode ser exercida/exercitada na mais soberba das suas manifestações: a arte. A caricatura, em circunstâncias normais, é jornalismo à mistura com arte. Mistura explosiva, é certo. Mas ainda assim, deverá ser alvo de restrições? Não. Porque ela é muito mais da arte do que do jornalístico. Ela é o que pode haver de jornalístico na arte. Só onde a arte, a arte livre, desabrocha ao ritmo da licença, da censura, só onde a arte, a arte livre, despoleta ao ritmo da “excomungação”, é que fará sentido reprimi-la. Mais lá do que cá, por aqueles que querem à força das balas, das que matam, impedir-nos o riso, por aqueles que querem à força das balas fazer-nos respeitar o intocável, pode-se compreender o melindre. Por cá, ele é, quanto a mim, incompreensível. Escrevia Popper: «A liberdade política é, pois, uma condição prévia para o pleno e livre uso da razão de todo o indivíduo. No entanto, a liberdade política, por seu turno, só pode ser assegurada através da tradição, através da predisposição tradicional para a defender». É nossa tradição caricaturar. Em suma, julgo que o problema não pode nem deve ser colocado em tom maniqueísta: quem são os bons? Quem são os maus? Mas pode e deve ser pensado em função da nossa predisposição para defendermos a nossa liberdade.
2 Comments:
«Por mim, que se caricature tudo e de forma bem (a)berrante, pois só assim se fará jus ao mundo em que vivemos.»
Nem mais.
Somos pessoas diferentes num mundo que nos quer fazer iguais. Eu acho que este drama é mais uma tentativa de captar alguma atenção conjugada com a necessidade de destruir. Este tema é muito vasto por isso só digo mais isto, gostei muito do seu blog especialmente de sua simplicidade que torna a leitura muito fácil. Eu tenho dois um em português www.amar-ela.blogspot.com e o outro em Inglês www.portugalalive.blogspot.com sobre noticias tugas.
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