MALVA 62 por uma tarde de elite
Malva 62 (Quasi Edições, 2005), o último livro de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, é um livro sui generis no conjunto dos livros publicados por este autor até à data. Realmente, é a primeira vez que a escolha dos poemas a publicar se deve à intervenção de uma pessoa da confiança (Luís Miguel Queirós) do autor, a quem este entregou um acervo lato de escritos novos e antigos com vista à selecção de textos que não excedessem os seis versos. Trata-se, portanto, de uma decisão deliberada e assumida de montagem de um livro a partir de textos ou fragmentos de textos publicados em anteriores livros, acrescidos de textos inéditos entretanto produzidos. O resultado final não é uma antologia de poemas do autor, é um novo livro. Excelente o trabalho de “encenação”, a organização das peças deste puzzle que a sintonia entre Luís Miguel Queirós e Daniel Maia-Pinto Rodrigues possibilitou.
A poesia de Daniel Maia-Pinto Rodrigues é, como toda a poesia, para ser dita. Imagine-se este livro como um passeio no jardim onde uma espécie de conversa serenamente caótica vai surgindo, uma troca de vozes que se mistura à liberdade do estorninho ou ao avanço das ervas. É o próprio autor que está presente em seus gostos pessoais ou peculiar atenção, observador em seu posto de escuta resgatado à degradação do mundo. E é um livro que resulta em toda a sua força quando “actuado” ao vivo, ou assim lido, ponto e contraponto de emoção subtil e conquistada ironia.
Conta-se que Almada Negreiros costumava dizer a Fernando Pessoa: “tu és o homem do paradoxo, eu do doxo”. Queria talvez dizer com isto que era afirmativo, característica revelada na forma como se assumia na sua particular inteireza. Ora, este livro tem muito (de) doxo, uma configuração de frontalidade que o tornará porventura menos imune a críticas de quem não o perceba como expressão de subtileza essencial ganha e destilada de uma forma que se pretende assim. E é nesta falta de imunidade que, paradoxalmente, a força deste livro se constitui e revela. Porque/mas há um paradoxo sempre latente, que em título de livro anterior se expressa assim: “O afastamento está ali sentado”. O autor sabe perverter a beleza que logra entrever ou captar, abrindo de registo lírico para outro desejadamente irónico, travesso (no sentido mais fundo que aqui possa caber) e a realidade e o sonho misturados saem a ganhar quando a força, exposta no esplendor da sua fragilidade máxima, nos aparece, então sim, como um mundo de coisas belas que é profundamente humano na sua inteireza: nada se exclui. Dito em direcção ao título do post: o verdadeiro poeta leva o sagrado a passear pela mão. Este livro, e os outros, são esse passeio. O discurso sobre o mundo, ou o texto que elege uma determinada concretização da beleza, são exercícios para os fracos. Aqui é outra coisa. É o tudo ou nada, e ganha o tudo. Sempre entre o bosque e a asa do frango assado, entre a tábua dos queijos e os fulgurantes túneis de luz.
Aproveito para dizer que para mim a poesia não é, não quero que seja, uma brotherhood of men. Só distingue quem sabe valorizar. Eu sei valorizar; gostaria que fosse esta a minha única forma de distinguir. Não estou a ser elíptico, estou a dizer que aqui, como porventura noutros lados, nem tudo merece o mesmo tipo de atenção.
A poesia de Daniel Maia-Pinto Rodrigues é, como toda a poesia, para ser dita. Imagine-se este livro como um passeio no jardim onde uma espécie de conversa serenamente caótica vai surgindo, uma troca de vozes que se mistura à liberdade do estorninho ou ao avanço das ervas. É o próprio autor que está presente em seus gostos pessoais ou peculiar atenção, observador em seu posto de escuta resgatado à degradação do mundo. E é um livro que resulta em toda a sua força quando “actuado” ao vivo, ou assim lido, ponto e contraponto de emoção subtil e conquistada ironia.
Conta-se que Almada Negreiros costumava dizer a Fernando Pessoa: “tu és o homem do paradoxo, eu do doxo”. Queria talvez dizer com isto que era afirmativo, característica revelada na forma como se assumia na sua particular inteireza. Ora, este livro tem muito (de) doxo, uma configuração de frontalidade que o tornará porventura menos imune a críticas de quem não o perceba como expressão de subtileza essencial ganha e destilada de uma forma que se pretende assim. E é nesta falta de imunidade que, paradoxalmente, a força deste livro se constitui e revela. Porque/mas há um paradoxo sempre latente, que em título de livro anterior se expressa assim: “O afastamento está ali sentado”. O autor sabe perverter a beleza que logra entrever ou captar, abrindo de registo lírico para outro desejadamente irónico, travesso (no sentido mais fundo que aqui possa caber) e a realidade e o sonho misturados saem a ganhar quando a força, exposta no esplendor da sua fragilidade máxima, nos aparece, então sim, como um mundo de coisas belas que é profundamente humano na sua inteireza: nada se exclui. Dito em direcção ao título do post: o verdadeiro poeta leva o sagrado a passear pela mão. Este livro, e os outros, são esse passeio. O discurso sobre o mundo, ou o texto que elege uma determinada concretização da beleza, são exercícios para os fracos. Aqui é outra coisa. É o tudo ou nada, e ganha o tudo. Sempre entre o bosque e a asa do frango assado, entre a tábua dos queijos e os fulgurantes túneis de luz.
Aproveito para dizer que para mim a poesia não é, não quero que seja, uma brotherhood of men. Só distingue quem sabe valorizar. Eu sei valorizar; gostaria que fosse esta a minha única forma de distinguir. Não estou a ser elíptico, estou a dizer que aqui, como porventura noutros lados, nem tudo merece o mesmo tipo de atenção.
Rui Costa
3 Comments:
Como já escrevi sobre este livro há quase 5 meses (http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2005/12/malva-62.html), e porque sobre ele falámos noutras circunstâncias, deixa-me apenas aproveitar a oportunidade para esclarecer o seguinte: nada há no livro que informe sobre essa «decisão deliberada e assumida de montagem». Ao leitor comum, aquele que entra numa livraria e compra os livros que lê, a decepção acontece quando pensa estar na presença de uma nova recolha de Daniel Maia-Pinto Rodrigues e depara com «citações de estrofes de poemas anteriores, recriações de poemas já antes publicados noutros livros, versos repetidos doutras paragens». O posfácio de Manuel António Pina também não ajuda, centrado que está na «poesia do Daniel» sem que seja feita qualquer alusão a um «trabalho de “encenação”» da responsabilidade de Luís Miguel Queirós. Quanto ao resto, de acordo.
A poesia é para ser dita?
Quando é que saiu esta portaria, no Diário da Rerpública?
Tenho escutado diversos poetas a ler-se e digo que é pena. Porque escrever bem não é sinónimo de ter bons oregãos de fonação. Dizer bem poesia, com pausas, boa articulação é uma arte que não é inata.
Quanto ao Daniel MP, ainda bem que põe a nu, que alguém, com competência lhe molda os poemas. Essa é uma competência do poeta, deitar fora, elidir as enxúndias, organizar um todo coerente, um livro. Mas acho honesta a atitude, pois há casos de "poetas", até já com uma certa idade, que chulam um leitor competente ou um poeta amigo pasra fazer esse trabalho, isto é: construir um livro de um amontoado anárquico de desabafos, e depois ESCREVERAM um livro...
Orgãos!!!!!
É que eu estava a pensar em bons temperos...
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