28.7.06

Fragmento #36 – Anjo Verde

Os dias ardiam espapaçando os miolos dos humanos que ainda se encontravam vivos na terra. Os vivos resguardavam-se do amarelo diurno dentro das suas habitações fechadas e frescas. Os dias eram longos demais e pareciam não ter fim. Quando a noite caía, finalmente, uma brisa suave invadia os seus corpos, dando-lhes coragem para percorrerem as ruas das cidades em busca de algum abrigo, onde pudessem desfazer-se em cerveja e suor. O careca absurdo era um desses seres. Ele aterrara na sua cidade natal depois de uma prolongada ausência. Ele partiu porque foi obrigado a dizer que não a quem o pariu, mas o destino tem destas coisas, recambiaram-no para a pátria. A sua careca luzia no escuro, era um globo luminoso. Chegara a hora da caça e a brisa refrescava-lhe os miolos ardentes. Foi então que viu um anjo verde que lhe disse:
- Não tenhas medo das piranhas, elas não mordem.
A careca começou a luzir como nunca:
- Pois não, anjo verde, eu não tenho nada e apenas existo.
O anjo afastava os transeuntes com gestos largos e enérgicos:
- Há que enxotá-los a todos, cheiram mal dos sovacos. Tu não cheiras mal e tens o mundo dentro da tua cabeça. O que estás aqui a fazer?
O careca ajoelhou-se e numa vénia respondeu-lhe:
- Fui parido por uma muralha e voltei para a acompanhar até à sua morte.
O anjo verde pousou as mãos na sua cabeça e disse:
- Queres ficar aqui a deambular nas ruas como um morto-vivo? Bebe antes um cálice do meu sangue.

Maria João