17.8.06

Eu hoje acordei assim...


Antes de entrar na adolescência propriamente dita, as paredes do meu quarto estavam forradas com posters dos Dire Straits e da Madonna. Isto foi antes de ter lido O Papalagui e de ter percebido que uma coisa era a Índia outra coisa eram os índios e outra ainda os cowboys. Quando descobri os The Doors, substituí os posters da Madonna e dos Dire Straits por uma grande bandeira de pano com a Janis Joplin a fumar um charro. Daí à tradicional imagem do Che Guevara foi um palmo. No entanto, a febre comunista passou-me mais rapidamente do que uma gripe dos três dias. Há tempos ri-me com a atitude de um jovem editor, num dos weblogs de reverência, lembrando os crimes horrendos perpetrados pelo revolucionário argentino. A razão da comédia residia no facto do mesmo jovem editor estar prestes a publicar um livro onde se cantava: «a foto do Che e a boina, o olhar, a estrela e volto a acreditar que a revolução impossível é mesmo possível». (A. Pedro Ribeiro) Com o tempo, fui aprendendo a simpatizar com uma seita muito escassa de líderes. Mahatma Gandhi à cabeça e pouco mais. Dispenso ideologias que não sejam pela paz e contra a guerra, que imponham a muitos a vontade de poucos, que obriguem os desarmados a uma vida de servidão e estúpido sacrifício. A ter que aderir a uma causa, aderirei sempre à da liberdade, da autonomia, da independência, da paz. Espanto-me como certas pessoas se chocam com as confissões de Günter Grass pouco tempo depois de, com a maior das ligeirezas, terem advogado o direito à destruição, à invasão, à justiça do olho por olho, etc. Para quem não tem fome, a miséria dos outros há-de ser sempre uma questão abstracta. À esquerda e à direita, todas as extremas são absurdamente suínas. Assim como a extrema ao centro me parece arreia para burros. Em suma, desgostam-me tanto as extremas como o extremismo com que se enxota para as extremas as opiniões adversas. Quando o rosto do Che Guevara estava pendurado numa das paredes do meu quarto, sempre que não tinha argumentos para contradizer quem comigo discutia o que quer que fosse lá vinha a acusação do costume: isso é o que pensavam os nazis. Recentemente, estas puerilidades retóricas foram adaptadas à idade adulta em conceitos como os de «anti-semita» e de «anti-americano». Fiquei a saber que sempre fui coisas que jamais imaginaria poder vir a ser. Da «extrema-esquerda» e «infanticida» já sabia que era, por razão de outras acaloradas discussões. Entretanto fiquei a saber outras coisas acerca de mim mesmo pela tecla de quem não me conhece de lado algum. No fundo por uma razão tão simples: recuso-me a pensar pela cabeça das ideologias, prefiro pensar pela minha.

6 Comments:

At 5:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Agora sou eu que te acuso:
Seu iconoclasta blogosférico!
Quanto ao Grass - e não vejo isso proferido por quem, agora, o execra, salvo honrosas excepções - o problema não está na assunção do serviço voluntário prestado nas Waffen SS - era simplesmente a guarda pretoriana de Hitler -, o problema foi o desvairado intervencionismo político durante anos, acusando os americanos e aliados de fascistas e criminosos, sem nunca haver referido a sua militância nas SS de Himmler. Porquê esconder esse facto? Essa é a razão da minha indignação.
Quem se mete na política da forma como se meteu, expondo-se à opinião pública não pode ocultar um facto destes que, num puro exercício de conjectura, até lhe traria maior legitimidade perante os seus identificados inimigos.
Um abraço
PS - quanto ao Che, desse mal não padeci. Mas ao 17 anos lia O Diabo... shame on me!

 
At 6:18 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"Para quem não tem fome, a miséria dos outros há-de ser sempre uma questão abstracta."

Boa Abrasiva

 
At 6:22 da tarde, Blogger manuel a. domingos said...

padeci do "mal" do Che, ainda hoje o meu porta-chaves é a figura do Che (foi comprado numa estação de serviço espanhola a caminho de França, onde o filha-da-mãe do espanhol deu-me de troco pesetas que já estavam fora de circulação, por isso digo viva o euro!).

quanto ao Grass, não sei qual é o problema. o Durão Barroso não foi maoísta? uma vez ouvi alguém justificar isso dizendo que naquela altura toda a gente o era. a mesma justificação não se poderá aplicar ao Grass? isto é, dizer que naquela altura toda a gente era nazi, principalmente com 16 ou 17 anos em que havia uma forte doutrinação por parte do nacional-socialismo desde muito cedo? Bento XVI não foi da juventude hitleriana?

mas o mais absurdo são aqueles que pedem que lhe seja retirado o prémio Nobel (ou outros prémios que tenha recebido, como é o caso do PEN Clube checo, que exige a devolução do prémio que lhe foi atribuído há alguns anos). ora, enquanto Grass serviu a esquerda estava tudo bem, era um grande escritor, etc e tal. agora, que o homem decidiu fazer um golpe publicitário para promover o lançamento da sua autobiografia, dizendo que pertenceu às SS, e que até foi para lá como voluntário, calma que o gajo é um fascista (de direita) perigoso!!

 
At 8:01 da tarde, Blogger Vítor Leal Barros said...

e fazes muito bem...

 
At 12:01 da tarde, Blogger F said...

Ah, como gostei deste post. Principalmente do final. É tão bom ter ideias sem ideologias por detrás.

 
At 11:52 da tarde, Anonymous Anónimo said...

amc, eu nunca gostei de escritores pela moral dos homens. por isso leio céline e pound e genet e jarry e tantos outros (pedófilos, assassinos, traficantes de escravos, etc...). se formos por aí, todos terão os seus telhados de vidro. achas que o pacheco pereira devia lembrar os que o ouvem de que foi comunista ou maoista ou o que lá o homem tiver sido sempre que acusa os comunistas disto e daquilo? e por que não esconder certos factos da nossa vida? não é a vergonha um sentimento humano? quem somos nós para julgar dos fantasmas que cada um traz dentro? tu próprio respondes às tuas inquietações: «até lhe traria maior legitimidade perante os seus identificados inimigos». Não se serviu disso quando disso podia ter tirado altos dividendos. fá-lo agora. porquê? para vender livros? precisa?

 

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