23.9.06

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Guardo um Cartaz de 1999 - o antigo Actual - onde se procedia a um balanço da década que então findava. No que respeita à poesia, Osvaldo Manuel Silvestre raciocinava assim: «De facto, a década de 90 foi, no seu todo, mais pobre que a de 80, a qual fora já menos rica que a de 70, a qual fora por seu turno menos rica do que a de 60, que, essa sim, fora mais fecunda do que algumas das precedentes.» Eu não arriscaria hoje classificar a década de 1990 assim tão pobre, mas não me interessa agora discutir o assunto. Relembro o raciocínio porque me parece ser do mesmo tipo que aquele usado por Sérgio Lavos neste post, onde se vaticina a falta de originalidade que contamina o universo pop nos tempos que correm. Quanto a mim, o que de melhor teve a década de 1990, falando de música pop em sentido lato, foi o espírito de fusão (tantas e tantas vezes se apontava o ecletismo das mais variadíssimas bandas). Deste modo, o grunge, o trip-hop, o drum’ n’ bass, o post-rock, a world music, valeram, essencialmente, pela capacidade de misturar sons de proveniências diversas sob uma identidade própria e consistente. Talvez estejamos hoje num desses momentos de saturação em que o novo apenas germina mas não acontece. A tendência tem sido para a rememoração, para a revisitação, para o retro. Como o Sérgio diz, e bem, «tudo é pós-qualquer coisa e deixa de o ser ao segundo ou, vá lá, terceiro álbum». No entanto, não consigo ser tão assertivo quanto o Sérgio na assunção do fim de uma qualquer coisa que ainda agora começou. Não falarei de géneros, que esses todos os dias são engendrados por uma indústria ávida de modas e, talvez por isso, cada vez mais com a corda ao pescoço. Mas quando qualquer um de nós pode hoje fazer em casa, com a maior das facilidades, a música que mais aprecia, o que esperar do futuro? E se para tal nem é necessário saber tocar um instrumento, que podemos nós esperar? O fim? Julgo que não. O que tende a desaparecer, suponho, é a ideia de género musical, a ideia de «tipo de música», em prol de uma cada vez maior despersonalização das obras. Como as drogas geneticamente manipuladas à medida de cada um, assim será, muito provavelmente, a música do futuro. É para esse cúmulo relativista, em que tudo é criado à medida do indivíduo, que tendem as artes. Em cada um de nós, um artista. Em cada obra, um espelho. Em cada espelho, um reflexo desse vazio que subsume tudo à lei do nada. Se já não existem heróis, o futuro reserva-nos a morte dos ídolos. Seremos todos referências apenas de nós próprios e em nada buscaremos exemplo senão na nossa própria fome. Provavelmente, o nosso futuro será a vida tal como ela era há 3,3 milhões de anos.

5 Comments:

At 10:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Um pouco catastrofista, o final. Além disso, já pensaste que, se no futuro todos puderem ser artistas (ou criadores, como agora se diz) a arte deixa de existir?

 
At 1:58 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Embora concorde com alguns pontos do texto, nomeadamente com a ambiguidade do estatuto do "artista", que há ainda há bem pouco tempo- no séc. XVIII, por exemplo- (pelo menos, os músicos europeus), entravam com os cocheiros pela cozinha das mansões e viviam da pensão do bispo, arcebipo, príncipe, whoever que os sustentava, irrita-me sempre esta ideia de que todos somos artistas (ou podemos bem vir a ser: levantamo-nos de manhã, e passamos ao nosso momento de criação), e quem é que não gosta de ser artista... Então e a técnica, não é precisa? Fazem-se bolos e mousse de chocolate com a mesma aptidão com que se compõe um Requiem, ou se pinta um quadro? E o talento -humano, pois é-, também não conta? Além de que prever o futuro da música, é no mínimo, arriscado e inconsistente. Será que já se inventou mesmo tudo no universo musical? E o que é tudo? A mera tentativa de ir mais além dos 100 metros, é já o maior dos privilégios para a precaridade e efemeridade humanas. Teorias evolucionistas na criação? Até o Auguste Comte se enganou. Se calhar, não vamos para melhor; nem para pior.

 
At 11:08 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tantos? Acho óptimo os 300, também (à vezes também as lojas...), e ainda bem que estamos de acordo que as actividades "minoritárias" não são imortais, intemporais, sempre "fashion" e iluminadas...
E já me passou a irritação. Saudações barrocas.

 
At 1:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Lamento, mas essa do seu "que ideia!" sobre o talento, aguçou finalmente e de novo a minha irritabilidade. Só posso entender essa expressão como uma clara provocação: então você acha que este também não existe? Não só não é preciso técnica para nada a não ser para uma tal de música "com mofo", e a tal de poesia "com bolor"; pelos vistos você fica mesmo parvo a ver os tais 40 mil a olhar para os totalmente desprovidos de talento Chemical brothers, e outros (ainda se ficasse parvo com o talento deles, ainda vá que não vá...). Mas ainda assim, vou-lhe dar um exemplo simples e claro: o "seu" Sporting Clube de Portugal não tem talentos? Atão e o Liedson? Também os vai substituir por máquinas? Já não há arte num lançe de bola parada? QUE IDEIA!!!

 
At 10:05 da tarde, Blogger hmbf said...

mick, obrigado pelo comentário. agora não estou com paciência para lhe explicar o que você não soube ler.

 

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