[Deus com todos]
Crítias dizia que os deuses eram espantalhos introduzidos no mundo pelos políticos que se queriam fazer respeitar e mais às suas leis. Não acredito em deus. Deus é o bordão da ignorância, uma espada da covardia. Deus é um escarro do medo. Dentro de mim, o conceito que mais se aproxima de uma ideia do sagrado é o conceito de Natureza. Todavia, compreendo na ideia do sagrado uma ilusão, uma lacuna, a grandeza da nossa inocência, talvez, a verborreia dos ociosos, uma referência, um objectivo inatingível, um oriente, mormente uma resposta às nossas limitações e debilidades. Ou, como nos versos de Ruy Belo, «deus é só um nome e só pode criar / se é que o pode um só campo semântico / que deixa dar o nome de divinas / a coisas tão terrestres como o mar». Só a Natureza possui algo que não me custa adjectivar de divino. Amo os seus mistérios, espanto-me com a sua força, admiro a sua infinita beleza. Não preciso de Deus para nada, não preciso de uma ideia de causa primeira, é-me completamente indiferente que a natureza tenha ou não tenha uma causa e estou-me nas tintas para argumentos ontológicos da existência de Deus. Basta-me a Natureza. Se algum Deus existir, então que seja ele a julgar-me - jamais os homens que se arrogam mensageiros da palavra divina, seja lá isso o que for. São mensageiros da morte, do conflito, da guerra, da opressão, do esclavagismo, da renúncia à humanidade. Guerras santas, até os pacíficos hindus as têm. Não direi, como Jean Meslier, que «gostaria de ver todos os grandes da Terra e todos os nobres enforcados e estrangulados com as tripas dos padres». Mas tal como o padre de Etrépigny sinto-me na obrigação de denunciar a calamidade que tem sido privar os homens dos prazeres da terra sob pretexto de os conduzir ao céu. Se há coisa que odeio é o fanatismo religioso, a manipulação que faz da fé. A fé é um “sentimento” profundo sem o qual nada faz sentido. Tenho fé na natureza, nos seus processos selectivos, nas suas escolhas, no seu curso. Tenho fé na arte, na poesia. De alguma maneira, tenho fé na ciência. O homem quis sempre dominar a Natureza, submetendo-se a Deus como se Deus fosse uma solução para as fraquezas com que a Natureza nos dotou. É tempo de submeter-se à Natureza e de procurar dominar os seus ímpetos divinos. Parece-me cada vez mais evidente e necessário este princípio. O desrespeito pela Natureza e o fundamentalismo, a forma de um respeito absoluto por Deus, estão a matar-nos… lenta e masoquistamente.
5 Comments:
IDEM...
JR
gDeus ainda serve como bode expiatório mas a ideia agradou-me-
Penso que o Medo chegou com a Fé (dissera-o num texto, há alguns anos) e que desde então a sua modelação, os aparatos usados para que fosse introjetada de tal forma a vir a ser "a visão-mor de mundo" da Humanidade, não conheceram descanso.
Entusiástico.
Henrique,
mais uma vez vejo, como não nos basta um olhar sobre as "coisas". Ontem li este texto e senti-me muito magoada. Porque a dor, estava dentro, vejo hoje.
Tantas vezes, erramos o alvo das nossas projeções.
Há ideias de Deus que se devem combater. É isso que leio, hoje, neste texto.
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